quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Relações de poder no pensamento de Michel Foucault



Relações de poder no pensamento de Michel Foucault

É preciso, antes de qualquer coisa, conhecer a etimologia da palavra poder, que vem do latim vulgar potere, substituído ao latim clássico posse, que vem a ser a contração de potis esse, “ser capaz”; “autoridade”. Dessa forma, na prática, a etimologia da palavra poder torna sempre uma palavra ou ação que exprime força, persuasão, controle, regulação etc.
De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra poder, na esfera social, seja pelo indivíduo ou instituição, se define como “a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou por influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter certo resultado (...)” (Blackburn, 1997:301). Muito embora, de acordo com o autor, esse poder possa ser exercido de forma consciente ou não, e/ou, frequentemente, exercido de forma deliberada.
No dicionário de política, encontramos a definição de poder mais elástica. Ainda que exista a preocupação de colocá-lo em esferas distintas: poder social, poder político, poder constituinte, poder moderador, poder potencial, poder coordenador, entre outros. Ainda assim, o que se vê é a palavra poder associada ao cerne da autoridade. Podem-se encontrar definições do tipo: “É poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus filhos ou a capacidade de um governo de dar ordens aos cidadãos” (Bobbio, 2000:933). E ainda, “o poder evoca a ideia de força, capacidade de governar e de se fazer obedecer, império” (Souza, Garcia e Carvalho, 1998:417).
Por fim, em um dicionário comum da língua portuguesa o significado de poder é apreciado em 18 sinônimos, com destaque para: “ter a faculdade ou o direito, de: poder determinar algo”; “dispor de força ou autoridade”; “direito de deliberar, agir ou mandar” (Ferreira, 2001:577). Nesse momento introdutório, é importante destacar o pensamento de Foucault em relação ao poder. Ele estudou o poder não para criar uma teoria de poder, mas para identificar os sujeitos atuando sobre os outros sujeitos.
No que se refere ao poder, direito e verdade, sob a análise de Foucault, existe um triângulo em que cada item mencionado (poder, direito e verdade) se encontra nos seus vértices. Nesse triângulo, o filósofo vem demonstrar o poder como direito, pelas formas que a sociedade se coloca e se movimenta, ou seja, se há o rei, há também os súditos, se há leis que operam, há também os que a determinam e os que devem obediência. O poder como verdade vem se instituir, ora pelos discursos a que lhe é obrigada a produzir, ora pelos movimentos dos quais se tornam vitimados pela própria organização que a acomete e, por vezes, sem a devida consciência e reflexão,

Para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação entre poder, direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância, digamos isto: somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade ou encontrá-la. (Foucault, 1999:29)

Nessa perspectiva, pode-se entender a partir do autor por poder uma ação sobre ações. Foucault discorre que as relações de poder postas, seja pelas instituições, escolas, prisões, quartéis, foram marcadas pela disciplina: “mas a disciplina traz consigo uma maneira específica de punir, que é apenas um modelo reduzido do tribunal” (Foucault, 2008:149). É pela disciplina que as relações de poder se tornam mais facilmente observáveis, pois é por meio da disciplina que estabelecem as relações: opressor-oprimido, mandante-mandatário, persuasivo-persuadido, e tantas quantas forem as relações que exprimam comando e comandados. Diante do triângulo demonstrado por Foucault, poder — direito — verdade, e das passagens em que ele remete ao aparelho de Estado, a figura, por meio de recurso analógico, compara-o ao triângulo do tripé da sociedade, Estado – mercado – sociedade civil.

Correlação triângulo de Foucault e tripé da sociedade

Fonte: Dados primários (2009).

A partir dessa demonstração figurativa, seria possível fazer ligação de seus vértices? Estado — poder; mercado — direito; sociedade civil — verdade. Parece que não, a analogia proposta aqui quer identificar que as relações de poder, direito e verdade, entre os setores mencionados, são tão complexas, tácitas, intrínsecas e interdependentes que, por vezes, encontram-se discursos de verdades e direitos desenhados pelo interesse individual, o que pode ser chamado de relação de força, “(...) tais forças estão distribuídas difusamente por todo tecido social” (Veiga-Neto, 2003:73).
Entretanto, para melhor entender a figura dos triângulos apresentados, a analogia exposta entende que dentro do triângulo apresentado por Foucault existem diversas ações que perfazem o poder, o direito e a verdade, ações essas que são transportadas para aquelas que permeiam a tríplice Estado-mercado-sociedade civil. Assim, pode-se concluir que a harmonia das relações de poder direito, poder-verdade, estado, mercado e sociedade civil é essencial para que as políticas e ações sejam fundamentadas nos princípios éticos.
Diante dos papéis possíveis que a sociedade pode apresentar, Foucault (1999) nos apresenta duas tecnologias de poder, divididas em duas séries:
·         série corpo — organismo/disciplina/instituições, que são os mecanismos disciplinares;
·         série população — processos biológicos (que são os mecanismos regulamentares)/ Estado.

Uma técnica que é centrada no corpo, produz efeitos individualizantes, manipula o corpo como foco de forças que é preciso tornar úteis e dóceis ao mesmo tempo. E, de outro lado, temos uma tecnologia que, por sua vez, é centrada não no corpo, mas na vida; uma tecnologia que agrupa os efeitos de massas próprios de uma população. (Foucault, 1999:297)

De acordo com Foucault a modernidade trouxe duas novidades fortemente interligadas: poder disciplinar, no âmbito dos indivíduos; e sociedade estatal, no âmbito do coletivo. O poder disciplinar surgiu em substituição ao poder pastoral (no campo religioso), poder esse exercido verticalmente por um pastor que depende do seu rebanho e vice-versa. No poder pastoral, o pastor deve conhecer individualmente cada membro do seu rebanho, se sacrificar por eles e salvá-los, como denominado por Veiga Neto (2003:81): “vertical, sacrificial e salvacionista; individualizante e detalhista”.
No campo político, a sociedade estatal veio em substituição ao poder de soberania, vem da lógica pastoral, embora não possa ser salvacionista, nem piedoso e nem mesmo individualizante. Assim, o poder de soberania tem um déficit em relação ao poder pastoral. Daí surge o poder disciplinar para preencher essa lacuna, com efeitos individualizantes, vigilante, a fim de preencher os espaços vazios do campo político. Como destacado por Veiga-Neto (2003: 83), em muitos momentos ocorreu a “a invasão do poder pastoral no plano político do corpo social”. Ou seja, o caráter individualizante do poder pastoral deveria ser abarcado pela sociedade estatal e essa contradição pode ser bem identificada no estado de bem-estar social.
A partir disso, podemos observar as transformações do Estado e suas formas de produção e/ou regulação. O estado de bem-estar social surgiu da movimentação histórica em que houve urgência de o Estado provir necessidades básicas para a sociedade, visto que o liberalismo não deu conta de suprir tais necessidades. A economia capitalista entra na década de 1970 em profunda crise histórica, parecendo haver um consenso entre as correntes conservadoras e progressistas em relação ao seu caráter: trata-se de uma crise de Estado. Essa passagem de Estado tutelar, assistencial (Estado produtor) a Estado de livre iniciativa (Estado regulador) coaduna com a questão levantada por Foucault (1979:281), em relação à arte de governar: “como introduzir a economia — isto é, a maneira de gerir corretamente os indivíduos, os bens, as riquezas no interior da família — ao nível da gestão de um Estado”.

Governar um Estado significará, portanto, estabelecer a economia ao nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos, uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto à do pai de família. (Foucault, 1979:281).

Adiante, Foucault (1979:289) vem colocar a população não só como força do soberano, mas como sujeito das necessidades e aspirações, consciente daquilo que se quer, e inconsciente em relação ao que se quer que ela faça. “O interesse individual — como consciência de cada indivíduo constituinte da população — e o interesse geral — como interesse da população (...)”. Dessa forma, governar e programar políticas públicas perpassa pelas necessidades e aspirações da sociedade, identificadas não só pelo aspecto quantitativo de demanda, mas, principalmente, pelo aspecto qualitativo para garantir a sua sustentabilidade.

As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas*
Isabella Maria Nunes Ferreirinha**
Tânia Regina Raitz***
* Artigo recebido em nov. 2009 e aceito em fev. 2010.
** Mestranda do Programa Acadêmico de Mestrado em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Administradora pública da rede municipal de ensino. Endereço: Rua 1451, 187, ap. 804 — Centro — CEP 88330-801, Balneário Camboriú, SC, Brasil. E-mail: isabellaferreirinha@ ibest.com.br.
*** Doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em sociologia política. Professora do Programa Acadêmico de Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Professora universitária de graduação e pós-graduação, socióloga da Secretaria de Assistência Social, Habitação e Trabalho. Endereço: Rua Acelon Pacheco da Costa, 231, bloco B, ap. 407 — CEP 88034-040, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: floraitz@yahoo.com.br.
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