quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Resumo - CIDADANIA NO bRASIL: Um longo caminho



CIDADANIA NO BRASIL: O longo caminho
Resumo do Livro de José Murilo de Carvalho, RJ 2001.


CIDADANIA: O presente texto visa resgatar a problemática da cidadania, seu significado, sua evolução histórica e suas perspectivas.

Conceito de cidadania:
José Murilo de Carvalho (2001): seguindo a distinção de T. A. Marshall[1], desdobra a cidadania em direitos civis (direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos civis garantem a vida em sociedade. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos), políticos (se referem à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado) e sociais (direitos  que garantem a participação na riqueza coletiva. Incluem os direitos à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. A idéia central em que baseiam é a da justiça social) e os cidadãos em plenos (titulares dos 3 direitos), incompletos (possuidores de apenas alguns dos direitos) e não-cidadãos (os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos).
Para Carvalho (p.11), se o ideal de cidadania plena é semelhante pelo menos na tradição ocidental, os caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta (como pretende Marshall). Pode haver desvio e retrocessos. No caso do Brasil, o autor destaca duas diferenças importantes. "A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação aos outros. A Segunda refere-se à alteração na sequencia em que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros" (p. 12).
Outro aspecto destacado por Carvalho (p. 12) é que a cidadania se desenvolveu dentro do fenômeno a que chamamos de Estado-nação, datado da Revolução Francesa. A luta pelos direitos era uma luta política nacional. "Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação" (p. 12). Segundo Carvalho, a redução do poder do Estado, fruto da aceleração da internacionalização do sistema capitalista e da criação dos blocos econômicos, afeta a natureza dos antigos direitos, sobretudo dos direitos políticos e sociais. "Desse modo, as mudanças recentes têm recolocado em pauta o debate sobre o problema da cidadania, mesmo nos países em que ele parecia estar razoavelmente resolvido" (p. 13).

Cidadania no Brasil:
Para Carvalho (2001): no esforço da sociedade para a reconstrução da democracia no Brasil, após a ditadura militar, a palavra cidadania não só caiu na boca do povo, mas o substituiu na retórica política. "Cidadania virou gente". Mas o autor alerta que "o fenômeno da cidadania é complexo e historicamente definido" (p.8). Por isso, o exercício de certos direitos não garante automaticamente o gozo de outros. "Isto porque a cidadania inclui várias dimensõe2s e que algumas podem estar presentes sem as outras". Desta forma, "uma cidadania plena[2], que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no ocidente e talvez inatingível". (p.9)

O peso do passado (1500-1822).
Segundo Carvalho (p.18): em três séculos de colonização, "os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. (...) O efeito imediato da conquista (que teve conotação comercial) foi a dominação e o extermínio, pela guerra, pela escravização e pela doença, de milhões de indígenas". Por isso, à época da independência, "não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira". Havia sim, na economia e sociedade brasileiras, a forte marca do latifúndio monocult9or e exportador de base escravista.
Segundo o autor (p. 19-20), a escravidão foi o fator mais negativo para a cidadania. Na época da Independência, o "Estado, os funcionários públicos, as ordens religiosas, os padres, todos eram proprietários de escravos. Era tão grande a força da escravidão que os próprios libertos, uma vez livres, adquiriam escravos. (...) A sociedade colonial era escravista de alto a baixo".
"Escravidão e grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de futuros cidadãos". Para o autor, tanto os escravos como os senhores não eram cidadãos. Aqueles porque não possuíam os direitos civis básicos[3] e estes porque, embora fossem livres, votavam e eram votados ("homens bons"), "faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei" (p. 21). As funções públicas eram em parte absorvidas pelos senhores (sobretudo as funções judiciárias) e pelo clero católico (registros de nascimentos, casamentos e óbitos). "A consequência de tudo isso era que não existia de verdade um poder que pudesse ser chamado de público, isto é, que pudesse ser a garantia da igualdade de todos perante a lei, que pudesse ser a garantia dos direitos civis" (p.22). Por isso em 1872, meio século após a independência, apenas 16% da população era alfabetizada. Segundo o autor, não era do interesse da administração colonial, ou dos senhores de escravos, difundir essa arma cívica. No período colonial, "os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, os direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social estava a cargo da Igreja e de particulares" (p.24).
Para Carvalho (p. 24) foram raras as manifestações cívicas durante a Colônia. Para ele, fora as revoltas escravas (no qual destaca a de Palmares), quase todas as outras foram conflitos entre setores dominantes ou reações de brasileiros contra o domínio colonial (no qual destaca a Inconfidência Mineira e as Revoltas dos Alfaiates e Pernambucana). Segundo o autor, o período colonial chegou ao fim "com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade". (p. 25)

1822: Os direitos políticos saem na frente.
Para Carvalho (p. 25), a independência não introduziu mudança radical no panorama descrito, talvez em função de que a independência do Brasil foi relativamente pacífica, isto é, negociada. A separação foi feita mantendo-se a monarquia e a casa de Bragança. "A principal característica política da independência brasileira foi a negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, tendo como figura mediadora o príncipe D. Pedro" (p.26). A preocupação da elite com a ordem social (receio do "haitianismo") e o sonho da construção de um novo império, levou à escolha de uma solução monárquica.
"Nada melhor do que um rei para garantir uma transição tranquila, sobretudo se esse rei contasse, como contava, com apoio popular" (p.27). Para o autor, o papel do povo, se não foi de simples espectador (Eduardo Prado), também não foi decisivo. O papel do povo foi mais decisivo em 1831, quando o primeiro imperador foi forçado o renunciar, após grande agitação popular nas ruas do Rio de Janeiro. Ao povo uniram-se a tropa e vários políticos em raro momento de confraternização.
"Assim, apesar de constituir um avanço no que se refere aos direitos políticos, a independência, feita com a manutenção da escravidão, trazia em si grandes limitações aos direitos civis" (p. 28).
Para Carvalho, a Constituição outorgada de 1824, estabeleceu os 3 poderes tradicionais e criou ainda um quarto poder, o Moderador, privativo do Imperador. Segundo ele, para os padrões da época, a legislação brasileira era muito liberal, pois ampliava o direito ao voto em relação aos padrões dos países europeus[4] e ainda permitia que os analfabetos votassem.
Ainda pelo lado positivo, note-se que houve eleições ininterruptas de 1822 até 1930, representando, do ponto de vista formal, um grande avanço em relação à situação colonial. Por outro lado, "Os brasileiros tornados cidadãos pela Constituição eram as mesmas pessoas que tinham vivido os três séculos de colonização nas condições que já foram descritas. Mais de 85% eram analfabetos, incapazes de ler um jornal, um decreto do governo, um alvará da justiça, uma postura municipal" (p. 32). Havia ainda a pressão dos chefes políticos locais sobre os votantes. As eleições eram frequentemente fraudadas, tumultuadas e violentas. "O voto era um ato de obediência forçada ou, na melhor das hipóteses, um ato de lealdade e de gratidão. À medida que o votante se dava conta da importância do voto para os chefes políticos, ele começava a barganhar mais, a vendê-lo mais caro. (...) A eleição era a oportunidade para ganhar um dinheiro fácil, uma roupa, um chapéu novo, um par de sapatos. No mínimo uma boa refeição" (p.35-36). O encarecimento do voto preocupava os proprietários rurais, que queriam restringi-lo. "Havia ainda uma razão material para combater o voto ampliado. Os proprietários rurais queixavam-se do custo crescente das eleições. A vitória era importante para manter seu prestígio e o apoio do governo. Para ganhar precisavam manter um grande número de dependentes para os quais não tinham ocupação econômica, cuja única finalidade era votar na época de eleições" (p.36).

1881: Tropeço.
A lei liberal de 1881, com a finalidade de eliminar a corrupção eleitoral e responsabilizando o povo, 5não as elites pelo desvio, introduziu o voto direto, eliminando o primeiro turno das eleições[5], ao mesmo tempo que ampliava para 200 mil-réis a exigência de renda, proibia o voto dos analfabetos e tornava o voto facultativo. Para Carvalho, o maior limite ao voto ocorreu pela exclusão dos analfabetos, pois apenas "15% da população era alfabetizada, ou 20%, se considerarmos apenas a população masculina. De imediato, 80% da população masculina era excluída do direito de voto" (p.39).
Como consequência, houve uma queda de 1 milhão de votantes ou 13% da população livre em 1972, para  pouco mais de 100 mil eleitores ou 0,8% da população total. Houve um corte de 90% do eleitorado. Este retrocesso ocorreu numa época de tendência dos países europeus de ampliar os direitos políticos.
Com a lei de 1881, o Brasil caminhou para trás, perdendo a vantagem que adquirira com a constituição de 1824. O mais grave é que o retrocesso foi duradouro, pois a Proclamação da República, em 1889, não alterou o quadro, pois a Constituição de 1891 manteve a principal barreira o voto, a exclusão dos analfabetos. Continuavam também a não votar as mulheres, os mendigos, os soldados, os membros das ordens religiosas. "Na primeira eleição popular para a presidência da República, em 1894, votaram 2,2% da população" (p. 40).
A descentralização da Primeira República (1889-1930) facilitou a formação de sólidas oligarquias estaduais, apoiadas em partidos únicos, também estaduais. Por isso, a Primeira República ficou conhecida com "república dos coronéis". "Nesse paraíso das oligarquias, as práticas eleitorais fraudolentas não podiam desaparecer. Elas foram aperfeiçoadas" (p.41).
Por falta de experiência prévia e de educação primária, o povo não tinha consciência da importância do voto. E não era culpa sua. "Desta forma, o ganho que a limitação do voto poderia trazer para a lisura das eleições era ilusório. A interrupção do aprendizado só poderia levar, como levou, ao retardamento da incorporação dos cidadãos à vida política" (p. 45). Por outro lado, a exclusão popular ficou facilitada, de acordo com o autor, porque, com exceção ao movimento pelo voto feminino, não houve no Brasil, até 1930 movimentos populares exigindo maior participação eleitoral.

Direitos Civis só na lei.
O Brasil Independente herdou como herança do período colonial, a escravidão, a grande propriedade rural e um Estado comprometido com o poder privado. "Esses três empecilhos ao exercício da cidadania civil revelaram-se persistentes. A escravidão só foi abolida em 1888 [O Brasil era o último país de tradição cristã e oc6idental a libertar os escravos. E o fez quando o número de escravos era pouco significativo[6]], a grande propriedade ainda exerce seu poder em algumas áreas do país e a desprivatização do poder público é tema da agenda atual de reformas". (p.45).
A persistência da escravidão, significa que "os valores da escravidão eram aceitos por quase toda a sociedade. Mesmo os escravos, embora lutassem pela própria liberdade, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar outros" (p.49).
Tanto era assim que no próprio Quilombo dos Palmares havia escravos e 78% dos libertos da Bahia possuíam escravos (p. 46). Desta forma, tudo indica que "os valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade européia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no Brasil" (p.49). Até que ponto a religião católica, que era oficial, contribuía para esta mentalidade ao não combater a escravidão? É uma questão a ser refletida.
Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil, "aos libertos não foram dadas nem escolas, nem terras, nem empregos. (...) As conseqüências disso foram duradouras para a população negra, Até hoje essa população ocupa posição inferior em todos os indicadores de qualidade de vida. É a parcela menos educada da população, com os empregos menos qualificados, os menores salários, os piores índices de ascensão social" (p. 52).
Para concluir, a "libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa igualdade era afirmada nas leis, mas negada na prática""(p. 53).
A grande propriedade, embora profundamente ligada à escravidão, tinha características próprias e teve vida muito mais longa, sendo ainda uma realidade em várias regiões do país.
Os grandes proprietários, em aliança com comerciantes urbanos, sustentavam a política do coronelismo. Para Carvalho (p.55-56), foi "em São Paulo e Minas Gerais que o coronelismo, como sistema político, atingiu a perfeição e contribuiu para o domínio que os dois estados exerceram sobre a federação[7]. Os coronéis articulavam-se com os governadores, que se articulava com o presidente da República, quase sempre oriundo dos dois estados".
O coronelismo impedia a participação política porque antes negava os direitos civis. Nas fazendas o coronel era legislador, executo e juiz. Desta forma, seus trabalhadores e dependentes não eram cidadãos do estado brasileiro, eram súditos do coronel.
Várias expressões populares descreviam a situação: "para os amigos, pão; para os inimigos, pau". Ou então: "Para os amigos, tudo: para os inimigos, a lei." (p. 57).
"Não havia justiça, não havia poder verdadeiramente público, não havia cidadãos civis. Nessas circunstâncias, não poderia haver cidadãos políticos" (p. 57).
Para Carvalho (p. 60) do ponto de vista da cidadania, na década de 20, o movimento operário em luta por direitos básicos, como o de organizar-se, de manifestar-se, de escolher o trabalho, pela legislação trabalhista e de fazer greve, significou um avanço inegável, sobretudo no que se refere aos direitos civis.

Os direitos sociais.
Para Carvalho (p. 61), com direitos civis e políticos tão precários, seria difícil falar de direitos sociais. A assistência social estava quase exclusivamente nas mãos de associações particulares. A Constituição republicana de 1891, retirou do Estado a obrigação de fornecer educação primária, constante da Constituição de 1824 e proibiu o governo federal de interferir na regulamentação do trabalho, por considerar violação da liberdade do exercício profissional. A medida mais importante do período republicano foi o reconhecimento dos sindicatos como legítimos representantes dos trabalhadores. "Surpreendentemente, o reconhecimento dos sindicatos rurais precedeu o dos sindicatos urbanos (1903 e 0907, respectivamente). O fato se explica pela presença de trabalhadores estrangeiros na cafeicultura", onde as representações diplomáticas destes países acompanhavam o tratamento dados aos imigrantes (p. 62).
Apesar da Constituição de 1926 autorizar o governo federal a legislar sobre o assunto, fora o código de menores nada foi feito na área do trabalho até 1930. Desta forma, "durante a Primeira república, a presença do governo nas relações entre patrões e empregados se dava por meio da ingerência da polícia", levando um candidato à presidência afirmar que a questão social era questão de polícia (p. 62-63).
A primeira lei eficaz de assistência social, foi a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensão para os ferroviários[8], em 1923, que se expandiu, tornando-se o germe da legislação social da década seguinte.
"As poucas medidas tomadas restringiam-se ao meio urbano. No campo, a pequena assistência que existia era exercida pelos coronéis. (...) A dominação exercida pelos coronéis incluía esses aspectos paternalistas que lhe davam alguma legitimidade. (...) Em troca do trabalho e da lealdade, o trabalhador recebia proteção
contra a polícia e assistência em momentos de necessidade. Havia um entendimento implícito a respeito dessas obrigações mútuas. “Esse lado das relações mascarava a exploração do trabalhador e ajuda a explicar a durabilidade do poder dos coronéis” (p. 64).

Cidadãos em negativo.
Para Carvalho (p. 65), se é verdade (como queriam Louis Couty e Gilberto Amado) que até o final da Primeira República (1930) não havia no país povo politicamente organizado, opinião pública ativa e eleitorado amplo e esclarecido, não podemos esquecer que houve alguns movimentos políticos que indicavam um início de cidadania ativa. O autor cita os movimentos abolicionista, a partir de 1887 e dos jovens oficiais do Exército, iniciado em 1922. Para Carvalho (p.66-67), estes autores pecam por adotar uma concepção de cidadania estreita e formal, que supõe como manifestação política adequada aquela que se dá dentro dos limites previstos no sistema legal, sobretudo do direito do voto. Reconhecendo o mesmo erro, afirma que é necessário levar em conta outras modalidades de participação, "menos formalizada, externas aos mecanismos legais de representação". Desta forma, a "avaliação do povo como incapaz de discernimento político, como apático, incompetente, corrompível, enganável, que vimos nos debates sobre a eleição direta, revela visão míope, má-fé, ou incapacidade de percepção. (...) vimos que o eleitor do Império e da Primeira república, dentro de suas limitações, agia com racionalidade e que não havia entre os líderes políticos maior preocupação do que a dele com a lisura dos processos eleitorais" (p. 67). Além disso, para o autor, o povo achava, com frequência, outras maneiras para se manifestar, como em 1822, quando a população do Rio de Janeiro foi por várias vezes às ruas, aos milhares, em apoio aos líderes separatistas, contra as tropas portuguesas; em 1831, por ocasião do levante que forçou D. Pedro I a renunciar e aclamou seu filho, uma criança de cinco anos como sucessor.
Mas foi nas áreas rurais que aconteceram as revoltas populares mais importantes. A primeira delas foi a Revolta dos Cabanos (pequenos proprietários, índios, camponeses e escravos), em 1832, na fronteira das províncias de Pernambuco e Alagoas, onde os rebeldes em defesa da Igreja Católica e do retorno de D. Pedro I, enfrentaram, durante três anos, as tropas do governo em autêntica guerrilha travadas nas matas da região. Outra revolta popular foi a Balaiada (porque um de seus líderes era fabricante de balaios), em 1838, no Maranhão, em região de pequenas propriedades. Defendiam a liberdade e um arraigado catolicismo que julgavam ameaçado pelas reformas liberais da Regência. A revolta popular mais violenta e dramática foi a Cabanagem, na província do Pará, iniciada em 1835. Os rebeldes eram na maioria índios, negros e mestiços. A província caiu nas mãos dos rebeldes, que a proclamaram independente. A luta continuou até 1840 e foi a mais sangrenta da história do Brasil. Calculou-se o número total de mortos em 30 mil. Esse número representava 20% da população da província. "Foi a maior carnificina da história do Brasil independente" (p. 69).
Várias das revoltas da Regência manifestaram tendências separatistas. Três delas, a Sabinada, a Cabanagem e a Farroupilha, proclamaram a independência da província. "O patriotismo permanecia provincial. O pouco de sentimento nacional que pudesse haver baseava-se no ódio ao estrangeiro, sobretudo ao português" (p. 77).
O autor menciona ainda a revolta dos escravos malês de 1835, em Salvador, afirmando que excetuando-se esta última revolta, que reclamava claramente o direito civil da liberdade, nenhuma das outras tinha programa, nem mesmo idéias muito claras sobre suas reivindicações. "Lutavam por valores que lhes eram caros, independentemente de poderem expressá-los claramente. Havia neles ressentimentos antigos contra o regime colonial, contra portugueses, contra brancos, contra ricos em geral. (...) O importante é perceber que
possuíam valores considerados sagrados, que percebiam formas de injustiça e que estavam dispostos a lutar até a morte por suas crenças (p.70).
Se no Primeiro Reinado e na Regência, as manifestações populares se beneficiavam de conflitos entre facções da classe dominante, no Segundo Reinado, com a consolidação do Estado imperial e os acordos entre liberais e conservados, que se alternavam no governo promovida pelo Poder Moderador, as revoltas populares ganharam a característica de reação às reformas introduzidas pelo governo. Assim, ocorrem as reações contra a lei que introduzia o registro civil de nascimentos e óbitos e mandava fazer o primeiro recenseamento nacional (1851/2); a lei do recrutamento militar de 1874, onde as reações atingiram oito províncias e duraram até 1887[9]; a lei de pesos e medidas a partir de 1871, ganhando o nome de quebra-quilos.
Em Canudos, no interior da Bahia, sob a liderança de Antônio Conselheiro, milhares de sertanejos tentaram "criar uma comunidade de santos onde as práticas religiosas tradicionais seriam preservadas e onde todos poderiam viver irmanados pela fé. Sua comunidade foi destruída a poder de canhões, em nome da República e da modernidade" (p. 72). No Contestado também estava presente uma comunidade de santos. Um dos fatores que levaram à formação da comunidade fora a luta pela propriedade da terra. "A questão social estava presente, assim como a política" (p.72). Os rebeldes foram arrasados a ferro e fogo.
"Os movimentos populares da época tiveram quase todos características anti-republicanas.
Tal foi o caso, por exemplo, da revolta de Canudos. Movimento messiânico por excelência, foi também abertamente monarquista, mesmo que por motivações religiosas e tradicionalistas. Outro movimento messiânico, o do Contestado, também teve caráter monarquista. “Os rebeldes lançaram manifesto monarquista e escolheram um fazendeiro analfabeto como seu rei” (p. 82).
Em 1880, no Rio de janeiro, ocorreram protestos contra o aumento no preço das passagens do transporte urbano. Daí em diante, tornaram-se frequentes as revoltas contra a má qualidade dos serviços públicos mais fundamentais, como o transporte, a iluminação e o abastecimento de água (p. 73). A revolta urbana mais importante aconteceu em 1904 e ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Foi um protesto popular gerado pelo acúmulo de insatisfações com o governo em função da lei de reforma urbana e higiênica da cidade.
Oswaldo Cruz iniciou o combate à varíola, tradicionalmente feito por meio de vacinação que uma lei tornara obrigatória. Houve abaixo-assinado contra a obrigatoriedade da vacinação, seguida de revolta popular generalizada. "O levante teve espontaneidade e dinâmica próprias. (...) Houve tiroteios, destruição de coches, de postes de iluminação, de calçamento; prédios públicos foram danificados, quartéis assaltados. (...) O governo decretou estado de sítio e chamou tropos de outros estados para controlar a situação" (p. 74).
"Em todas essas revoltas populares que se deram a partir do início do Segundo Reinado verifica-se que, apesar de não participar da política oficial, de não votar, ou de não Ter consciência clara do sentido do voto, a população tinha alguma noção sobre direitos dos cidadãos e deveres do Estado. O Estado era aceito por esses cidadãos, desde que não violasse um pacto implícito de não interferir em sua vida privada, de não desrespeitar seus valores, sobretudo religiosos. Tais pessoas não podiam ser consideradas politicamente apáticas. (...) Eram, é verdade, movimentos reativos e não propositivos. Reagia-se a medidas racionalizadoras ou secularizadoras do governo. Mas havia nesses rebeldes um esboço de cidadão, mesmo que em negativo" (p. 75).
"Pode-se concluir, então, que até 1930 não havia povo organizado politicamente nem sentimento nacional consolidado. A participação na política nacional, inclusive nos grades acontecimentos, era limitada a pequenos grupos. A grande maioria do povo tinha com o governo uma relação de distância, de suspeita, quando não de aberto antagonismo. Quando o povo agia politicamente, em geral o fazia como reação ao que considerava arbítrio das autoridades. Era uma cidadania em negativo, se se pode dizer assim. O povo não tinha lugar no sistema político, seja no Império, seja na República. O Brasil era ainda para ele uma realidade abstrata. Aos grandes acontecimentos políticos nacionais, ele assistia, não como bestializado, mas como curioso, desconfiado, temeroso, talvez um tanto divertido"(p. 83).
Marcha Acelerada (1930-1964)
O ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país, quando, sem grandes batalhas, caiu a Primeira república, aos 41 anos de via. A partir desta data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido (p.87).
A Revolução de 1930, foi c10nseqüência de uma convicção reformista de pensadores o políticos como Alberto Torres[10], entre outros, que foi ganhando força na década de 20, de que era necessário fortalecer novamente o poder central como condição para implantar as mudanças que se faziam necessárias.
Uma nova geração de políticos, de origem oligárquica mas com propostas inovadoras, assumiu o governo do país, após mobilização revolucionária, que envolveu muitos civis nos estados liberados. "No Rio Grade do Sul, pode-se dizer que houve verdadeiro entusiasmo cívico. O povo não esteve ausente como em 1889, não assisti “bestializado” ao desenrolar dos acontecimentos. Foi ator no drama, posto que coadjuvante" (p.96).
Os direitos sociais avançaram rapidamente, a partir da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, com ele, a legislação trabalhista e previdenciária, completada em 1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho.
Os direitos políticos tiveram evolução mais complexa, onde alternaram-se instavelmente ditaduras e regimes democráticos. O período de 1945 a 1964 pode ser considerado a primeira experiência democrática em toda a história do país. O voto popular foi estendido e houve maior lisura nas eleições. Esta experiência terminou em 1964, com a ditadura militar.
Os direitos civis ficaram prejudicados pelas ditaduras, sobretudo pela suspensão da liberdade de expressão e de organização. A organização sindical promovida pelo regime ditatorial foi atrelada ao estado e corporativa. "Tudo se passava dentro de uma visão que rejeitava o conflito social e insistia na cooperação entre trabalhadores e patrões, supervisionada pelo Estado" (p. 109). Os movimentos sociais independentes só avançaram lentamente a partir de 1945. "O nacionalismo, incentivado pelo Estado Novo, foi o principal instrumento de promoção de uma solidariedade nacional, acima das lealdades estaduais" (p.88).
Para Carvalho (p.99), o prolongamento do governo revolucionário provocou o crescimento da oposição, sobretudo em São Paulo, por parte das elites que uniram-se e revoltaram-se em 1932. Houve mobilização geral. "A Revolução Constitucionalista durou três meses e foi a mais importante guerra civil brasileira do século XX. Os paulistas pediam o fim do governo ditatorial e a convocação de eleições para escolher uma assembleia constituinte. Sua causa era aparentemente inatacável: a restauração da legalidade, do governo constitucional. Mas seu espírito era conservador: buscava-se parar o carro das reformas, deter o tenentismo, restabelecer o controle do governo federal pelos estados" (p. 100).
Em um país com tão pouca participação popular, a guerra paulista foi uma exceção. Os paulistas perderam a guerra no campo de batalha, mas a ganharam no campo da política, pois o governo federal concordou em convocar eleições para a assembleia constituinte que deveria eleger também o presidente da República, introduziu o voto secreto e criou uma justiça eleitoral. “O voto secreto e a justiça eleitoral foram conquistas democráticas”. Houve também avanços na cidadania política. Pela primeira vez as mulheres ganharam o direito ao voto. “Outra inovação do código eleitoral foi a introdução da representação classista” (p. 101).
Após a constitucionalização do país, formaram-se dois grandes movimentos políticos, um à esquerda (ANL) e outro à direita (AIB). A Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes, era de orientação comunista e a Ação Integralista Brasileira (AIB), dirigida por Plínio Salgado, era de orientação fascista. Apesar desta divergência ideológica, "os dois movimentos se assemelhavam em vários pontos: eram mobilizadores de massa, combatiam o localismo, pregavam o fortalecimento do governo central, defendiam um Estado intervencionista, desprezavam o liberalismo, propunham reformas econômicas e sociais. Eram movimentos que representavam o emergente Brasil Urbano e industrial. (...) ambos se chocavam com o velho Brasil das oligarquias. (...) ambos atraíam setores de classe média urbana" (p. 103).
Em 1935, a ANL radicalizou, julgando-se capaz de promover uma revolução popular. Equívoco. Sem apoio popular, não foi difícil para o governo reprimi-la. A ANL foi fechada e seus simpatizantes perseguidos.
O golpe de 1937 e o estabelecimento do Estado Novo, contaram com o apoio entusiasta dos integralistas. A reação ao golpe foi pequena. Como explicar a passividade geral? O autor destaca as seguintes causas: o apoio integralista; o receio do comunismo; a postura nacionalista e industrializante do governo. "Em um mundo com sinais claros de que se caminhava para outra guerra mundial, esses projetos tinham forte apelo. Até mesmo a oposição de esquerda se dividiu diante do golpe, achando alguns líderes que seus aspectos nacionalistas mereciam apoio" (p. 107).
Devido ao cuidado de Vargas em estabelecer boas relações com os industriais paulistas, ao mesmo tempo em que não descuidava das medidas de proteção ao preço do café, os paulistas que "em 1932 foram à guerra em nome da constitucionalização, em 1937 davam, pelo interventor, seu apoio ao golpe e ao governo ditatorial. Nada mais revelador das grandes mudanças que se tinha verificado.
A aceitação ao golpe indica que os avanços democráticos posteriores a 1930 ainda eram muito frágeis. (p. 108).
"De 1937 a 1945 o país viveu sob um regime ditatorial civil, garantido pelas forças armadas, em que manifestações políticas eram proibidas, o governo legislava por decreto, a censura controlava a imprensa, os cárceres se enchiam de inimigos do regime" (p.109).
"A política era eliminada, tudo se discutia como se se tratasse de assunto puramente técnico, a ser decidido por especialistas". (p.110)
O Estado Novo misturava repressão com paternalismo, sem buscar interferir exageradamente na vida privada das pessoas. Era um regime autoritário, não totalitário ao estilo do fascismo, do nazismo, ou do comunismo.

Os direitos sociais na dianteira (1930-1945).
O período de 1930 a 1945 foi o grande momento da legislação social. Vasta legislação foi promulgada, culminando com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que resistiu à democratização de 1945 e ainda permanece em vigor com poucas modificações de fundo.
"Mas foi uma legislação introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária vigência dos direitos civis. Este pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa" (p.110)
Vargas foi influenciado pelo positivismo ortodoxo, que propunha incorporar o proletariado à sociedade por meio de medidas de proteção ao trabalho e a sua família e enfatizava a cooperação entre trabalhadores e patrões e a busca de soluções pacíficas para os conflitos (p.111).
Desta forma, Vargas cria o Ministério do trabalho, Indústria e Comércio, menos de dois meses depois à vitória da revolução. Lindolfo Collor, também positivista ortodoxo assume o posto. O ministério agiu rapidamente em três direções: trabalhista, previdenciária e sindical.
Na área trabalhista, as principais medidas foram: a criação do Departamento nacional do Trabalho (1931); jornada de 8 horas na indústria e no comércio (1932); regulamentação do trabalho feminino com igualdade salarial (1932); regulamentação do trabalho de menores (1932)[11]; criação da carteira de trabalho e das Comissões e Juntas de Conciliação e Julgamento (1932); regulamentação do direito de férias.
"Na área da previdência, os grandes avanços se deram a partir de 1933. Nesse ano, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM)[12], dando início a um processo de transformação e ampliação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) da década de 1920".
"Desse modo, em cindo anos a previdência social foi estendida a quase todos os trabalhadores urbanos. Foi rapidamente atendida uma velha reivindicação dos trabalhadores" (p. 114).
O aspecto negativo era que o sistema excluía categorias de trabalhadores, como os autônomos, os domésticos e todos os trabalhadores rurais, a maioria na época. "Tratava-se, portanto, de uma concepção da política social como privilégio e não como direito. (...) Por esta razão, a política social foi bem caracterizada por Wanderley G. dos Santos como “cidadania regulada”, isto é, uma cidadania limitada por restrições políticas" (p.115).
A atuação do governo na área sindical constituiu o cerne da estratégia do governo, do ponto de vista político. No primeiro decreto sobre sindicalização (1931), aparecia a filosofia do governo, semelhante à visão dos positivistas do início do século e também com a doutrina social da Igreja Católica, onde "as relações entre capital e trabalho deveriam ser harmônicas, e cabia ao Estado garantir a harmonia, exercendo o papel de regulação e arbitramento. A organização sindical deveria se o instrumento da harmonia. O sindicato não deveria ser um órgão de representação dos interesses de operários e patrões, mas de cooperação entre as duas classes e o Estado" (p.115). Desta forma o sindicato mudava seu caráter em relação à lei de 1907: deixava de ser uma instituição de direito privado e passava a ter personalidade jurídica pública; deixava de ser órgão de representação dos interesses dos operários para ser "órgão consultivo e técnico" do governo; a pluralidade sindical foi eliminada e substituída pela unicidade sindical. "Toda a legislação de que vimos falando aplicava-se tanto aos operários como aos patrões" (p.117).
"... a interferência do Estado era uma faca de dois gumes. Se protegia com a legislação trabalhista, constrangia com a legislação sindical. Ao proteger, interferia na liberdade das organizações operárias, colocava-as na dependência do Ministério do Trabalho. Se os operários eram fracos para se defender dos patrões, eles também o eram para se defender do Estado" (p.118). Desta forma, "o movimento operário viveu o dilema: liberdade sem proteção ou proteção sem liberdade. O ponto central era o desequilíbrio de forças entre operariado e patronato" (p.118).
O último esteio importante da legislação sindical do Estado Novo foi o imposto sindical, criado em 1940, ainda vigente até hoje, apesar dos esforços para extingui-lo. Por um lado, o imposto sindical permitiu um fôlego para os sindicatos manter sua burocracia ou mesmo conceder benefícios adicionais aos sócios (assistência jurídica, médica, dentária etc.) e incentivava a formação de sindicatos, por outro, não incentivava a sindicalização, pois o imposto era cobrado compulsoriamente de todos embora beneficiasse apenas alguns. Outro aspecto negativo, foi o incentivo ao peleguismo, que estendeu-se às federações, confederações e tribunais. "Os pelegos eram aliados do governo e dos empregadores, de quem também recebiam favores. Sempre avessos a conflito, alguns podiam ser bons administradores dos recursos sindicais e com isto tornar o sindicato atraente pelos benefícios que oferecia. Mas, em geral, eram figuras detestadas pelos sindicalistas mais aguerridos" , que buscavam desalojá-los, mas "em um caso como no outro, a base operária era excluída, e o poder sindical se resumia a um estado-maior sem tropa" (p.122-3).
O trabalhador rural foi o grande ausente de toda essa legislação. A extensão da legislação social ao campo teve que esperar os governos militares para ser implementada. Esse grande vazio na legislação indica com clareza o peso que ainda possuíam os proprietários rurais.
"Apesar de tudo, porém, não se pode negar que o período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais. Nele foi implantado o grosso da legislação trabalhista e previdenciária. O que veio depois foi aperfeiçoamento, racionalização e extensão da legislação a número maior de trabalhadores. Foi também a era da organização sindical, só modificada em parte após a Segunda democratização, de 1985". (p.124)
Para o avanço da cidadania, o significado de toda essa legislação foi ambíguo, pois a ação governamental dividia a classe operária e "o governo invertera a ordem do surgimento dos direitos descrita por Marshall, introduzira o direito social antes da expansão dos direitos políticos. Os trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política independente. Não por acaso as leis de 1939 e 1943 proibiam greves" (p.124).
A força popular de Vargas se fez sentir na eleição de 1950, quando volta ao comando da nação com 49% dos votos contra 30% do competidor mais próximo. "Seu segundo governo foi o exemplo mais típico do populismo no Brasil e consolidou sua imagem de „pai dos pobres‟" (p. 125).
O populismo era um fenômeno urbano e refletia o novo país que surgia distinto do Brasil da Primeira República. "Era avanço na cidadania, na medida em que trazia as massas para a política. Mas em contrapartida, colocava os cidadãos em posição de dependência perante os líderes, aos quais votavam lealdade pessoal pelos benefícios que eles de fato ou supostamente lhes tinham distribuído. (...) A cidadania que daí resultava era passiva e receptora antes que ativa e reivindicadora" (p.126).

A vez dos direitos políticos (1945-1964).
Com a nova constituição de 1946, o país entrou numa fase descrita como a primeira experiência democrática de sua história. A constituição manteve as conquistas sociais do período anterior e garantiu os tradicionais direitos civis e políticos. Até 1964, houve liberdade de imprensa e de organização; houve eleições regulares, sendo o voto, obrigatório, secreto e direto, estendido a todos os cidadãos com mais de 18 anos de idade, que não fossem analfabetos ou soldados[13]; vários partidos nacionais foram organizados e funcionaram livremente[14], à exceção do Partido Comunista, que teve seu registro cassado em 1947[15]. Uma das poucas restrições sérias ao exercício da liberdade referia-se ao direito de greve, cuja lei foi aprovada em 1964, já no governo militar.
Apesar das limitações, a partir de 1945 a participação do povo na política cresceu significativamente, tanto pelo lado das eleições como da ação política organizada em partidos, sindicatos, ligas camponesas e outras associações. "Em números absolutos, os votantes pularam de 1,8 milhão em 1930 para 12,5 milhões em 1960. Nas eleições legislativas de 1962, as últimas antes do golpe de 1964, votaram 14,7 milhões". (p.146)
Neste período, pelo lado nacionalista, destacou-se a luta pelo monopólio estatal da exploração e refino do petróleo, corporificada na criação da Petrobrás em 1953. A Petrobrás tornou-se o símbolo do nacionalismo, do anti-imperialismo. "Guerra fria, petróleo e política sindical e trabalhista foram exatamente as causas dos principais enfrentamentos políticos"(p.128). De um lado ficavam os nacionalistas, defensores do monopólio estatal do petróleo e de outros recursos básicos, como a energia elétrica, partidários do protecionismo industrial, da política trabalhista, da independência na política externa; do outro lado estavam os defensores da abertura do mercado ao capital externo, inclusive na área dos recursos naturais, os que condenavam a aproximação entre o governo e os sindicatos, os que queriam uma política externa de estrita cooperação com os Estados Unidos (p.128-9).
O ano de 1954 foi marcado por greves importantes, que apressaram a conspiração liderada pelo udenista pró-americano Carlos Lacerda, que levaram ao desfecho trágico conhecido, ou seja, o suicídio de Vargas, e a reação popular instantânea e espontânea.
"O antigo ditador, que nunca se salientara pelo amor às instituições democráticas, tornara- se um herói popular por sua política social e trabalhista. O povo identificara nele o primeiro presidente da República que o interpelara diretamente, que se preocupara com seus problemas. O fato de ser preocupação paternalista era irrelevante para os que se sentiram valorizados e beneficiados pelo líder morto. A influência de Vargas projetou-se ainda por vários anos na política nacional. O choque de forças que levou a seu suicídio resolveu-se apenas com o golpe militar de 1964", derrotando o primeiro experimento democrático da história do país (p.131).
Kubitschek, considerado herdeiro de Vargas, com muita habilidade e apoiado na aliança dos dois grandes partidos, PSD e PTB, aprofundou o processo democrático em curso, "sem recorrer a medidas provisória de exceção, à censura à imprensa, a qualquer meio legal e ilegal de restrição da participação. (...) Foi a época áurea do desenvolvimentismo, que não excluía a cooperação do capital estrangeiro" (p.132).
As altas taxas de crescimento, em torno de 7% ao ano, que possibilitava a distribuição de benefícios a todos, operários e patrões, industriais nacionais e estrangeiros, amorteceram os conflitos anteriores. O salário mínimo real atingiu seus índices mais altos até hoje. Os industriais tiveram incentivos generosos.
Restava o setor rural. Kubitschek também não tocou provavelmente para não romper sua base de sustentação política, já que o PSD tinha sua base entre os proprietários rurais. Os trabalhadores rurais permaneceram foram da legislação social e sindical.
Os dois presidentes - Jânio Quadros e João Goulart - que realmente se propuseram a mexer na questão agrária não terminaram o mandato. A insistência de Goulart às Reformas de Base e a radicalização de parte de seu grupo de apoio, facilitaram sua associação com o comunismo, levando ao golpe militar de 1964. "O bordão do anticomunismo foi usado intensamente. Planos para derrubar o presidente começaram a ser traçados, contando com a simpatia do governo norte-americano" (p. 136).
A grande novidade, no entanto, veio do campo, a partir de 1955, através das Ligas Camponesas, onde pela primeira vez na história do país, excetuando-se as revoltas camponesas do século XIX, os trabalhadores rurais, posseiros e pequenos proprietários entraram na política nacional com voz própria.
Em 1963, o governo promulgou um Estatuto do Trabalhador Rural, que pela primeira vez estendia ao campo a legislação trabalhista. O Estatuto previa ainda a extensão da previdência ao campo. Mas esta parte da lei permaneceu letra morta, pois não foram previstos recursos para a 9implantação e o financiamento dos benefícios. Por isso, os trabalhadores rurais "continuaram excluídos" (p.153).
A partir do Estatuto do Trabalhador Rural, "impulsionado por grupos de esquerda, inclusive a Igreja e a AP, o sindicalismo rural espalhou-se com rapidez pelo país, relegando as Ligas Camponesas a segundo plano. (...) Os sindicatos, em regime populista, tinham sobre as Ligas a enorme vantagem de poder contar com o apoio do governo e da grande máquina sindical e previdenciária. (p.139).
A vinculação ao governo reduz mas não destrói a importância da emergência do sindicalismo rural. Em 1960, 55% da população do país ainda morava no campo, e o setor primário da economia ocupava 54% da mão-de-obra. "Desde a abolição da escravidão, em 1888, o Estado não se envolvera nas relações de trabalho agrícola, se excetuarmos a lei de 1903, que teve pouca aplicação". (p. 139)
A emergência do sindicalismo rural num regime de liberdade política e sua vinculação ao movimento nacional de esquerda que, entre outras mudanças estruturais, reclamava a reforma agrária, constituía uma ameaça aos proprietários, que passaram a se organizar e preparar para resistência armada ao que consideravam um perigo de expropriação de suas terras ao estilo soviético ou cubano.
As mobilizações com apoio do governo federal em torno das "reformas de base", sobretudo à reforma agrária, que implicava em emendar a Constituição, culminam nos comícios sob o lema "Marcha da Família com Deus pela Liberdade"[16], um apelo astucioso aos sentimentos religiosos da grande maioria da população, que em São Paulo reuniu cerca de 500 mil pessoas. Estava preparado o golpe militar, cuja concretização viria no dia 31 de março, apoiada nos desdobramentos da revolta dos marinheiros, de 26 de março de 1964, liderada por um agente da CIA americana.
Para Carvalho (p. 150): O golpe de 1964, num contexto de condições favoráveis à democracia, pode ser buscado "na falta de convicção democrática das elites, tanto de esquerda como de direita. Os dois lados se envolveram em uma corrida pelo controle do governo que deixava de lado a prática da democracia representativa. Direita e esquerda preparavam um golpe nas instituições". A direita para impedir as reformas e para evitar o que achavam ser um golpe comunista-sindicalista em preparação. A esquerda, com Leonel Brizola à frente, para eliminar os obstáculos às reformas e neutralizar o golpe de direita que acreditavam estar em preparação.
"Pelo lado da direita, o golpismo não era novidade. Desde 1945, liberais e conservadores vinham tentando eliminar da política nacional Vargas e sua herança. O liberalismo brasileiro não conseguiu assimilar a entrada do povo na política. (...) O povo, representado na época pela prática populista e sindicalista, era considerado pura massa de manobra de políticos corruptos e demagogos e de comunistas liberticidas. O povo perturbava o funcionamento da democracia dos liberais. Para eles, o governo do país não podia sair do controle de suas elites esclarecidas" (p.151). Por outro lado, a parte democrática da esquerda era muito reduzida. "A parcela maior, constituída pelo Partido Comunista  desprezava a democracia liberal, vista como instrumento de dominação burguesa. Se a aceitava era apenas como meio de chegar ao poder. (...) Para ambos os lados, direita e esquerda, a democracia era, assim, apenas um meio que podia e devia ser descartado desde o momento que não tivesse mais utilidade".

III Passo atrás, passo adiante (1964-1985).

Passo atrás: nova ditadura (1964-74).
O rápido aumento da participação política levou em 1964, como em 1937, a uma reação defensiva e à imposição de mais um regime ditatorial em que os direitos civis e políticos foram restringidos pela violência. A semelhança ocorreu ainda pela ênfase aos direitos sociais, agora estendidos aos trabalhadores rurais e pela forte atuação do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. A diferença foi a manutenção do funcionamento do Congresso e da realização de eleições no regime militar. Contudo, a repressão política dos governos militares foi mais extensa e mais violenta do que a do Estado Novo. Sobretudo, nos anos 1964-5 e 1968-74, por meio dos Atos Institucionais[17], foram cassados mandatos e suspenso direitos políticos de grande número de líderes políticos, sindicais e intelectuais e de militares. Além disso, foram usados outros mecanismos, como a aposentadoria forçada, intervenções sindicais, invasões, perseguições, prisões e condenação de opositores. Novamente o perigo comunista servia como desculpa para justificar a repressão.
A ditadura alternou fase de repressão e abrandamento, sendo a fase de 1968 a 1974, a mais sombria da história do país, do ponto de vista dos direitos civis e políticos. Sob o comando de Médici, as medidas repressivas atingiram o cume. Nova lei de segurança nacional foi introduzida, incluindo a pena de morte por fuzilamento. No início de 1970, foi introduzido a censura prévia em jornais, livros e outros meios de comunicação. "A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade de reunião; os partidos eram regulados e controlados pelo governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção; era proibido fazer greves; o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura nos cárceres do governo; o próprio direito à vida era desrespeitado" (p.163-4)
Paradoxalmente, "o período combinou a repressão política mais violenta já vista no país com índices também jamais vistos de crescimento econômico. Em contraste com as taxas de crescimento, o salário mínimo continuou a decrescer" (p.158). "Foi a época em que se falou no „milagre‟ econômico brasileiro. A partir de 1977, o crescimento começou a cair, chegando ao ponto mais baixo em 1983, com - 3,2%, subindo depois para 5% em 1984, último ano completo de governo militar" (p.168).
“A rápida expansão da economia veio acompanhada de grandes transformações na demografia e na composição da oferta de empregos”. Houve grande deslocamento de população do campo para as cidades. Em 1960 a população urbana era de 44,7% do total, o país era majoritariamente rural. Em 1980, em apenas 20 anos, ela havia saltado para 67,6%. Em números absolutos, a população urbana aumentara em cerca de 50 milhões de pessoas. Os efeitos catastróficos desse crescimento para a vida das grandes cidades só apareceriam mais tarde" (p.169). (Conceito de rural/urbano?). Houve ainda mudança nos tipos de emprego. A ocupação no setor primário caiu de 54% do total em 1960 para 30% em 1980.
A ocupação no secundário cresceu de 13% para 24% no mesmo período e o terciário cresceu de 33% para 46%. (p.170)
"Houve, sem dúvida, um crescimento rápido, mas ele beneficiou de maneira muito desigual os vários setores da população. A consequência foi que, ao final, as desigualdades tinham crescido ao invés de diminuir" (p.168). O salário mínimo, em 1974 valia quase a metade que em 1960.
Em resposta, grupos de esquerda começaram a agir na clandestinidade e adotar táticas militares de guerrilha urbana e rural. "Aos sequestros e assaltos a bancos dos guerrilheiros, respondia a repressão com prisões arbitrárias, tortura sistemática de presos, assassinatos". (p. 163)
"Segundo levantamento de Marcos Figueiredo, entre 1964 e 1973 foram punidas, com perdas de direitos políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão, 4.841 pessoas..."(p. 164). Entre 1964 e 1970, foram 536 intervenções, sendo 483 em sindicatos, 49 em federações e quatro em confederações. "A única instituição que conseguiu defender- se, apesar de alguns conflitos com o governo, foi a Igreja Católica. Por seu poder e influência, a hierarquia da Igreja foi capaz de oferecer resistência e tornar-se aos poucos tornar-se o principal foco de oposição legal" (p.165).

Novamente os direitos sociais.
Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais. Em 1966 foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), universalizando e unificando o sistema de previdência. Em 1971, em pleno governo Médici foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência. Finalmente, "os eternos párias do sistema, os trabalhadores rurais, tinham afinal, direito a aposentadoria e pensão, além de assistência médica" (p.171).
A distribuição dos benefícios do Funrural, assim como de outras formas de assistência, foi entregue aos sindicatos rurais. "A repressão inicial exercida contra esses sindicato, aliada às tarefas de assistência agora a eles atribuída, contribuiu muito para reduzir sua combatividade política e gerou dividendos políticos para os governos militares. O eleitorado rural os apoiou em todas as eleições (Sudoeste, 1982, foi exceção?). Parte desse apoio pode ser atribuída ao conservadorismo rural, mas sem dúvida a legislação social contribuiu para reforçar essa tradição. Como a previdência rural não onerava os proprietários e não se falava mais em reforma agrária, também eles tinham motivos para apoiar o governo" (p.172)
Não ficaram por aí as inovações no campo social. Empregadas domésticas e trabalhadores autônomos, as duas categorias ainda excluídas foram incorporadas em 1972 e 1973 respectivamente. Como coroamento das políticas sociais, foi criado em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social.

Passo adiante: voltam os direitos civis e políticos (1974-85).
Empossado, o general Ernesto Geisel assinalou para um lento retorno à democracia. Desta forma, o pontapé inicial da abertura partiu dos militares, não da pressão oposicionista. Esta aproveitou com inteligência o espaço que se abria e contribuiu decisivamente para levar a bom êxito a empreitada. Onze anos depois seria eleito o primeiro presidente civil, marco final do ciclo militar (p. 173).
"A abertura começou em 1974, quando o general presidente diminuiu as restrições à propaganda eleitoral, e deu um grande passo em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a volta dos primeiros exilados políticos" (p.173).
Entre as razões para a abertura, o autor cita: a postura do grupo de Geisel, ligados à ESG, que tinham convicção política liberal, embora não democrática; a crise do petróleo (1973), que comprometia a continuidade do milagre; a ambição do poder e do lucro presente nas forças armadas que comprometia a moral do oficialato e a imagem da corporação. "Nessa conjuntura, seria melhor para o governo e para os militares promover a redemocratização enquanto ainda houvesse prosperidade econômica do que aguardar para fazê-lo em época de crise..." (p.174).
Em 1978, o Congresso votou o fim do AI-5, o fim da censura prévia no rádio e na televisão, e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. Em 1979, o Congresso votou uma lei de anistia, que embora polêmica, devolveu os direitos políticos aos que os tinham perdido e ajudou a renovar a luta política. Ainda em 1979 foi abolido o bipartidarismo forçado. Desapareceram Arena e MDB, dando lugar a seis novos partidos, sendo a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 a grande novidade no campo partidário. Outra medida liberalizante permitiu eleições diretas para governadores de estados.
No campo sindical também houve inovação, vinda sobretudo dos operários e setores novos da economia que se tinham expandido durante o "milagre": o de bens de consumo durável e de bens de capital - metalúrgicos. "O movimento começou em 1977, com uma campanha por recuperação salarial, e culminou em 1978 e 1979, com grandes greves que se estenderam a outras partes do país. Em 1978, cerca de 300 mil operários entraram em greve; em 1979, acima de 3 milhões, abrangendo as mais diversas categorias profissionais, inclusive trabalhadores rurais. Eram as primeiras greves, desde 1968" (p.180).
O novo sindicalismo distinguia-se do anterior pelo fato de ser organizado de baixo para cima e pela insistência de manter-se independente do controle do Estado. As decisões finais eram tomadas em grandes assembleias que reuniam às vezes até 150 mil operários, e não por pequenos comitês de dirigentes.
Era também nova a forte presença de sindicatos rurais. Ausentes até 1963, no regime militar eles cresceram transformados em órgãos assistencialistas. "O número de sindicatos rurais cresceu rapidamente, a ponto de em 1979 ser praticamente igual o número de trabalhadores sindicalizados rurais e urbanos (5 milhões para cada lado). Como sindicatos assistencialistas, não se podia esperar grande mobilização política de sua parte. Mas a própria natureza violenta dos conflitos de terra e a ação da Igreja Católica por meio de sua Comissão Pastoral da Terra contribuíram para alterar o quadro". Em 1979, houve greves entre os cortadores de cana de Pernambuco e a CONTAG se firmou.
"Fora do mundo partidário e sindical, houve também grandes modificações no movimento popular. (...) Dentro da Igreja Católica, no espírito da teologia da libertação, surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)" (p.183). A partir de Medellín (1968), a hierarquia católica moveu-se com firmeza na direção da defesa dos direitos humanos e da oposição ao regime militar. Ela se tornou um baluarte da luta contra a ditadura.
As CEBs surgiram em torno de 1975 e expandiram-se por todo o país, abrangendo também as áreas rurais. Por volta de 1985, seu número estava em torno de 80 mil. "Antes de 1964, os setores militantes da Igreja atuavam nos sindicatos e no movimento estudantil por meio da Juventude Operária Católica (JOC) e das juventudes Estudantil e Universitária Católicas (JEC e JUC)" (p.183) [omissão da Juventude Agrária Católica - JAC].
"É importante notar que as CEBs constituíam outro exemplo da tendência dos anos 80 de abandonar orientações de cúpula e buscar o contato direto com a população" (p. 184).
Desde a Segunda metade dos anos 70, houve enorme expansão dos movimentos sociais urbano, especialmente de moradores e favelados, que caracterizavam-se por estarem voltados para problemas concretos da vida cotidiana. Estes movimentos representavam o despertar da consciência de direitos e serviram para a formação de lideranças políticas.
Houve ainda grande expansão de associações de profissionais de classe média, como médicos, professores, engenheiros e funcionários públicos, que juntamente com os sindicatos tornaram-se focos de mobilização profissional e política. Também se firmaram como pontos de resistência ao governo militar, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência (SBPC), além de artistas e intelectuais. O auge da mobilização popular foi a campanha pelas eleições diretas, em 1984. "A campanha das diretas foi, sem dúvida, a maior mobilização popular da história do país, se medida pelo número de pessoas que nas capitais e nas maiores cidades saíram às ruas" (p. 188). Os comícios transformaram-se em grandes festas cívicas, onde compareciam líderes de partidos políticos, de associações influentes, jogadores de futebol, cantores e artistas etc. "Faltaram 22 votos para a maioria de dois terços em favor da emenda. (...) Apesar da frustração, a campanha das ruas não foi inútil", pois Tancredo Neves ganharia as próximas eleições indiretas.

Um balanço do período militar.
Do ponto de vista da cidadania, os 21 anos de governo militar, "houve retrocessos claros, houve avanços também claros, a partir de 1974, e houve situações ambíguas" (p.190).
Os governos militares repetiram a tática do Estado Novo, no que refere-se à relação entre direitos sociais e políticos, ou seja: ampliaram os direitos sociais ao mesmo tempo em que restringiram os direitos políticos. Desta forma, pode-se dizer que o autoritarismo brasileiro pós-30 sempre procurou compensar a falta de liberdade política com paternalismo social.
Tática que teve grande êxito nos anos 30, como atestam a popularidade do varguismo e sua grande vida. No período militar a eficácia foi menor, devido à maior mobilização política anterior ao golpe; à oposição da máquina sindical corporativa montada durante o Estado Novo, à unificação e uniformização do sistema previdenciário, cuja racionalização representou para ela perda política; à fragilidade organizativa do setor rural (principal benefiária da ação governamental) que em 1964 tinha apenas um ano de sindicalização Comissão Pastoral da Terra contribuíram para alterar o quadro". Em 1979, houve greves entre os cortadores de cana de Pernambuco e a CONTAG se firmou.
"Fora do mundo partidário e sindical, houve também grandes modificações no movimento popular. (...) Dentro da Igreja Católica, no espírito da teologia da libertação, surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)" (p.183). A partir de Medellín (1968), a hierarquia católica moveu-se com firmeza na direção da defesa dos direitos humanos e da oposição ao regime militar. Ela se tornou um baluarte da luta contra a ditadura.
As CEBs surgiram em torno de 1975 e expandiram-se por todo o país, abrangendo também as áreas rurais. Por volta de 1985, seu número estava em torno de 80 mil. "Antes de 1964, os setores militantes da Igreja atuavam nos sindicatos e no movimento estudantil por meio da Juventude Operária Católica (JOC) e das juventudes Estudantil e Universitária Católicas (JEC e JUC)" (p.183) [omissão da Juventude Agrária Católica - JAC].
"É importante notar que as CEBs constituíam outro exemplo da tendência dos anos 80 de abandonar orientações de cúpula e buscar o contato direto com a população" (p. 184).
Desde a Segunda metade dos anos 70, houve enorme expansão dos movimentos sociais urbano, especialmente de moradores e favelados, que caracterizavam-se por estarem voltados para problemas concretos da vida cotidiana. Estes movimentos representavam o despertar da consciência de direitos e serviram para a formação de lideranças políticas.
Houve ainda grande expansão de associações de profissionais de classe média, como médicos, professores, engenheiros e funcionários públicos, que juntamente com os sindicatos tornaram-se focos de mobilização profissional e política. Também se firmaram como pontos de resistência ao governo militar, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência (SBPC), além de artistas e intelectuais. O auge da mobilização popular foi a campanha pelas eleições diretas, em 1984. "A campanha das diretas foi, sem dúvida, a maior mobilização popular da história do país, se medida pelo número de pessoas que nas capitais e nas maiores cidades saíram às ruas" (p. 188). Os comícios transformaram-se em grandes festas cívicas, onde compareciam líderes de partidos políticos, de associações influentes, jogadores de futebol, cantores e artistas etc. "Faltaram 22 votos para a maioria de dois terços em favor da emenda. (...) Apesar da frustração, a campanha das ruas não foi inútil", pois Tancredo Neves ganharia as próximas eleições indiretas.

Um balanço do período militar.
Do ponto de vista da cidadania, os 21 anos de governo militar, "houve retrocessos claros, houve avanços também claros, a partir de 1974, e houve situações ambíguas" (p.190).
Os governos militares repetiram a tática do Estado Novo, no que refere-se à relação entre direitos sociais e políticos, ou seja: ampliaram os direitos sociais ao mesmo tempo em que restringiram os direitos políticos. Desta forma, pode-se dizer que o autoritarismo brasileiro pós-30 sempre procurou compensar a falta de liberdade política com paternalismo social.
Tática que teve grande êxito nos anos 30, como atestam a popularidade do varguismo e sua grande vida. No período militar a eficácia foi menor, devido à maior mobilização política anterior ao golpe; à oposição da máquina sindical corporativa montada durante o Estado Novo, à unificação e uniformização do sistema previdenciário, cuja racionalização representou para ela perda política; à fragilidade organizativa do setor rural (principal benefiária da ação governamental) que em 1964 tinha apenas um ano de sindicalização intensa, aliada ao declínio populacional do mesmo e o contexto internacional desfavorável ao autoritarismo em contraste com a década de 30. "Os custos interno e externo eram tão altos que os militares mantiveram uma fachada de democracia e permitiram o funcionamento dos partidos e do Congresso" (p.191). "O „milagre‟ econômico deixava a classe média satisfeita, disposta a fechar os olhos à perda dos direitos políticos. Os trabalhadores rurais sentiam-se pela primeira vez objeto da atenção do governo. (...) Mas uma vez desaparecido „milagre‟, quando a taxa de crescimento começou a decrescer, por volta de 1975, o crédito do regime esgotou-se rapidamente. A classe média inquietou-se e começou a engrossar os votos da oposição. Os operários urbanos retomaram sua luta por salários e maior autonomia. Os trabalhadores rurais foram os únicos a permanecer governistas. As zonas rurais foram o último bastião eleitoral do regime. Mas como seu peso era declinante, não foi capaz de compensar a grande força oposicionista das cidades" (p.192).
Se o apoio a Médici revelou baixa convicção democrática, o rápido abandono do regime mostrou maior independência política da população, que mostrou-se capaz de revalorizar a representação e usá-la contra o governo, no momento oportuno. "Ainda pelo lado positivo, a queda dos governos militares teve muito mais participação popular do que a queda do Estado Novo, quando o povo estava, de fato, ao lado de Vargas" (p.192).

IV - A cidadania após a redemocratização.
A retomada da supremacia civil em 1985 se fez, até agora, sem retrocessos. A constituição de 1988 pode ser considerada a mais liberal e democrática que o país já teve, recebendo por isso a denominação de Constituição Cidadã. Nesta constituição, a garantia dos direitos civis era preocupação central. Em 1989 tivemos a primeira eleição direta para presidente desde 1960. Os direitos políticos adquiriram amplitude nuca antes atingida. No entanto, "a democracia política não resolveu os problemas econômicos mais sérios, como a desigualdade e o desemprego. Continuam os problemas da área social, sobretudo na educação, nos serviços de saúde e saneamento, e houve agravamento da situação dos direitos civis no que se refere à segurança individual" (p.199).
No que se refere à prática democrática, houve frustrações e avanços claros. Um dos avanços foi o surgimento do Movimento dos Sem terra (MST). "De alcance nacional, o MST representa a incorporação à vida política de parcela importante da população, tradicionalmente excluída pela força do latifúndio. (...) Seus métodos, a invasão de terras públicas ou não cultivadas, tangenciam a ilegalidade, mas, tendo em vista a opressão secular de que foram vítimas e a extrema lentidão dos governos em resolver o problema agrário, podem ser considerados legítimos. O MST é o melhor exemplo de um grupo que, utilizando-se do direito de organização, força sua entrada nas arena política, contribuindo assim para a democratização do sistema" (p.203).
Houve frustração da população com a democratização ao perceber que ela não resolveria automaticamente os problemas do dia-a-dia e, sobretudo a partir do terceiro ano do governo Sarney, constatar que as velhas práticas políticas, incluindo a corrupção estavam de volta. Esta frustração retorna a uma tradição nacional, ou seja, procura de um messias salvador da pátria, desembocando na eleição de Collor, personalidade arrogante, megalomaníaca e sem sustentação política, que participara de um ambicioso esquema de corrupção jamais visto nos altos escalões do governo.
"As eleições diretas, aguardadas como salvação nacional, resultaram na escolha de um presidente despreparado, autoritário, messiânico e sem apoio político no Congresso. (...) Humildada e ofendida, a população que fora às ruas oito anos antes para pedir as eleições diretas repetiu a jornada para pedir o impedimento do primeiro presidente eleito pelo voto direto. (...) O impedimento foi sem dúvida uma vitória cívica importante. Na história do Brasil e da América Latina, a regra para afastar presidentes indesejados tem sido revoluções e golpes de Estado. No sistema presidencialista que nos serviu de modelo, o dos Estados Unidos, o método foi muitas vezes o assassinato". (p.204-5).
Pode ser considerado avanço também as duas eleições presidenciais seguintes, feitas em clima de normalidade, embora haja críticas sobre a aprovação da reeleição.

Direitos sociais sob ameaça.
Embora houve alguns avanços nas áreas da mortalidade infantil, da esperança de vida ao nascer, na redução do analfabetismo e na educação fundamental, "em 1997, 32% da população de 15 anos ou mais era ainda formada de analfabetos funcionais, isto é, que tinham menos de quatro anos de escolaridade"(p.207). No campo da previdência, embora de positivo, houve a elevação da aposentadoria dos trabalhadores rurais para o piso de um salário mínimo e a introdução da renda mensal vitalícia para idosos e deficientes, persiste o problema dos benefícios previdenciários, sobretudo nos baixos valores das aposentadorias.
Mas as maiores dificuldades sociais referem-se às grandes desigualdades sociais que caracterizam o país desde sempre, mas que, segundo o IPEA, tem crescido no período de 1990 a 1998. "A escandalosa desigualdade que concentra nas mãos de poucos a riqueza nacional tem como conseqüência níveis dolorosos de pobreza e miséria"(p.208). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1997, o Brasil tinha 54% de pobres.
"Crescendo ou não, o país permanece desigual. O efeito positivo sobre a distribuição de renda trazido pelo fim da inflação alta teve efeito passageiro". (p.209)

Direitos civis retardatários.
Os direitos civis eliminados pelo regime militar foram recuperados a partir de 1985. Entre eles, salientamos a liberdade de expressão, de imprensa e de organização. A constituição de 1988, criou o direito de habeas data e o "mandato de injunção". Definiu também o racismo como crime inafiançável e imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não- anistiável. Ganhou também o consumidor com a Lei de defesa do Consumidor e a sociedade com o Programa Nacional dos Direitos Humanos (1996). Relevante ainda, foi a criação dos juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais, em 1995.
"No entanto, pode-se dizer que, dos direitos que compõem a cidadania, no Brasil são ainda os civis que apresentam as maiores deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias"(p.210). De acordo com pesquisa realizada na região metropolitana do Rio de Janeiro em 1997, mostrou que 57% dos pesquisados não sabiam mencionar um só direito e só 12% mencionaram algum direito civil e quase a metade achava que era legal a prisão por simples suspeita. "Os dados revelam ainda que educação é o fator que mais bem explica o comportamentos das pessoas no que se refere ao exercício dos direitos civis e políticos. Os mais educados se filiam mais a sindicatos, a órgãos de classe, a partidos políticos" (p.210).
"A falta de garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no que se refere à segurança individual, à integridade física, ao acesso à justiça. (...) O soldado de polícia é treinado dentro do espírito militar, com métodos militares. Ele é preparado para combater e destruir inimigos e não para proteger cidadãos" (p.211-13).

Conclusão: A cidadania na encruzilhada.
Nestes 178 anos de esforço para a construção do cidadão brasileiro, "os progressos feitos são inegáveis mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda falta percorrer" (p.219). Na raiz das dificuldades, pode estar o fato de que, no Brasil, a cronologia e a lógica descrita por Marshall foram invertidas. "Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. (...) Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam, inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo" (p.219-20). Contudo, "seria tolo achar que só há um caminho para a cidadania. A história de países como Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos etc., mostra que não é assim.
Nossa cultura política de excessiva valorização do Poder Executivo e de impaciência com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão, tem levado à busca de soluções mais rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas. Por outro lado, a inversão dos direitos favoreceu uma visão corporativa dos interesses coletivos, onde "os benefícios sociais não eram tratados como direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade passou a se organizar para garantir os direitos e os privilégios distribuídos pelo Estado" (p.223). Desta forma, "a prática política posterior à redemocratização tem revelado a força das grandes corporações de banqueiros, comerciantes, industriais, das centrais operárias, dos empregados públicos, todos lutando pela preservação de privilégios ou em busca de novos favores. (...) A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos consigam prevalecer. A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo" (p.223).
O processo de globalização da economia em ritmo acelerado provocou e continua a provocar mudanças importantes nas relações entre Estado, sociedade e nação, que eram o centro da noção e da prática da cidadania ocidental. "A redução do papel do Estado em benefícios de organismos e mecanismos de controle internacionais tem impacto direto sobre os direitos políticos. (...) Grandes decisões políticas e econômicas são tomadas fora do âmbito nacional" (p.225).
Os direitos sociais também são afetados pelos cortes de benefícios, na descaracterização do estado de bem-estar, no desemprego estrutural, fruto da competição feroz entre empresas.
"Nessa visão, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor, afastado de preocupações com a política e com os problemas coletivos" (p.226).
"Mas alguns aspectos das mudanças seriam benéficos. O principal é a ênfase na organização da sociedade. A inversão da sequencia dos direitos reforçou em nós a supremacia do Estado. Se há algo importante a fazer em termos de consolidação democrática, é reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para democratizar o poder. A organização da sociedade não precisa e não deve ser feita contra o estado em si. Ela deve ser feita contra o Estado clientelista, corporativo, colonizado" (p.227).
Contudo, "experiências recentes sugerem otimismo ao apontarem na direção da colaboração entre sociedade e Estado que não fogem totalmente à tradição, mas a reorientam na direção sugerida. A primeira tem origem na sociedade. Trata-se do surgimento das organizações não-governamentais que, sem serem parte do governo, desenvolvem atividades de interesse público. (...) de início muito hostis ao governo e dependentes de apoio financeiro externo, dele se aproximaram após a queda da ditadura e expandiram as fontes internas de recursos. Da colaboração entre elas e os governos municipais, estaduais e federal, têm resultado experiências inovadoras no encaminhamento e na solução de problemas sociais, sobretudo nas áreas de educação e direitos civis. Essa aproximação não contém o vício da „estadania‟ e as limitações do corporativismo porque democratiza o Estado" (p.227).
Após citar a outra mudança ocorrida pelo lado do governo, com as administrações petistas e suas formas alternativas de envolver a população na formulação e execução de políticas públicas, o autor, conclui dizendo que se a escravidão era um câncer que corroía nossa vida cívica e impedia a construção da nação, como afirmara José Bonifácio em 1823, "a desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma sociedade democrática" (p.229).


[1] Para Marshall primeiro vieram os direitos civis, no século XVIII. Depois, no século XIX, surgiram os direitos políticos. Finalmente os direitos sociais foram conquistados no século XX. Para ele trata-se de uma sequencia cronológica e lógica. “O surgimento sequencial dos direitos sugere que a própria idéia de direitos, e, portanto, a própria cidadania, é um fenômeno histórico (p.11)
[2] “O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos direitos civil, políticos e sociais” (p. 9)
[3] “Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de quilombos”(p. 22).
[4] “Segundo cálculos do historiador Richard Graham, antes de 1881 votavam em torno de 50% da população adulta masculina. Para efeito de comparação, observe-se que em torno de 1870 a participação eleitoral na Inglaterra era de 7% da população total; na Itália, de 2%; em Portugal, de 9%; na Holanda de 2,5%. O sufrágio universal masculino existia apenas na França e na Suíça, onde foi introduzido em 1848”(p.31).
[5] “Não haveria mais, daí em diante, votantes, haveria apenas eleitores” (CARVALHO, p38).
[6] “Na época da Independência, os escravos representavam 30% da população. (...) Às vésperas da abolição, em 1887, os escravos não passavam de 723 mil, apenas 5% da população do país”(p. 47)
[7]O poder dos coronéis era menor na periferia das economias de exportação e nas áreas de pequena propriedade, como nas colônias de imigrantes europeus do Sul. Foi nessas regiões que se deram as maiores revoltas populares durante o período da regência (1831-1840) e onde se verificaram movimentos messiânicos e de banditismo já na república” (p. 56).
[8] “Suas características principais eram: contribuição dividida, entre o governo, os operários e os patrões; administração atribuída a representantes dos patrões e operários, sem interferência do governo; organização por empresa” (p.63).
[9] Destaca-se nesta reação a grande presença de mulheres. “Talvez tenha sido esta a primeira manifestação política coletiva das mulheres no Brasil” (C. p. 71).
[10] “Para Torres, talvez o mais influente pensador da época, a sociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito.”(p.93)
[11] “As Comissões reconheciam convenções coletivas de trabalho, quebrando a tradição jurídica liberal de só admitir contratos individuais”(p. 112).
[12] “Os institutos (IAPs) inovaram em dois sentidos. Não eram baseados em empresas, como as CAPs, mas em categorias profissionais amplas, como marítimos, comerciários, bancários etc. Além disso, a administração dos IAPs não ficava a cargo de empregados e patrões, como no caso das CAPs. O governo era parte integrante do sistema” (p. 113).
[13] “A limitação era importante porque, em 1950, 57% da população ainda era analfabeta. Como o analfabetismo se concentrava na zona rural, os principais prejudicados eram os trabalhadores rurais” (p. 145).
[14] Havia 12 partidos nacionais. Os principais eram: PSD (congregação das forças dominantes locais), PTB (com base na estrutura sindical corporativa) e UDN (oposição liberal). Segundo pesquisa de opinião pública feita pelo IBOPE em 1964, “em termos de preferências, o PTB saía na frente com 29%, seguido da UDN com 14% e do PSD com 7%” (p.149). Ao redor desse núcleo, vários partidos menores se moviam à direita e à esquerda.
[15] Esta decisão e a que declarou que suboficiais e sargentos não podiam ser eleitos, representou um retrocesso democrático.
[16] “promovido por organizações religiosas, sob inspiração de um padre norte-americano e financiado por homens de negócio paulistas, o comício, calculado em 500 mil pessoas, centrou sua retórica no perigo comunista que se alegava vir do governo federal”(p.142).
[17] O AI-5 foi o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu os direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presidente Costa e Silva a governar ditatorialmente.