sábado, 25 de maio de 2013

Texto de Ética e moral.



COLÉGIO ESTADUAL PAULO FREIRE.


A ética
Questões filosóficas
O que é a moral?
Quais são os fundamentos da moral?
Em que se funda a ação moral?
O que é a virtude? E o vicio?
Somos livres para escolher uma ação?
Qual é a causa do mal?
Como viver para ser feliz?
Existe livre-arbítrio?

ÉTICA E MORAL:

O problema da ação e dos valores.
Em nosso dia a dia, deparamo-nos frequentemente com situações em que temos que tomar uma decisão. Muitas vezes elas dependem daquilo que consideramos bom, justo ou correto. Toda vez que isso ocorre, estamos diante de uma decisão que envolve um julgamento moral, a partir do qual vamos orientar nossa ação ou a ação de outras pessoas. Como afirmou o filósofo grego Aristóteles:
A característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais. (Política, p. 15).
Assim, o ser humano age no mundo de acordo com valores, isto é, a partir daquilo que tem maior importância ou é prioridade para ele segundo certos códigos morais. Isso significa que as coisas e as ações que um indivíduo realiza podem ser hierarquizadas conforme as noções de bem e de justo compartilhadas por um grupo de pessoas, em um determinado momento. Em outras palavras, o ser humano é um ser moral: um ser capaz de avaliar sua conduta a partir de valores morais.
Distinção entre moral e ética.
O que é mora? E qual a diferença entre moral entre moral e ética?
Embora os termos ética e moral por sua vez sejam usados como sinônimos, é possível fazer uma distinção entre eles.
A palavra moral vem do latim mos, mor-, "costumes", e refere-se ao conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade ou cultura. Como as comunidades humanas são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores também podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais diferentes. Pertence ao vasto campo da moral a definição sobre questões fundamentais, como:
• O que devo fazer para ser justo?
• Quais valores devo escolher para guiar minha vida?
• Há uma hierarquia de valores que deve ser seguida?
•Que tipo- de ser humano devo ser nas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a natureza?
• Que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão?

A palavra ética, por sua vez, vem do grego ethikos, "modo de ser", "comportamento". Portanto, etímologicamente os dois termos querem dizer quase a mesma coisa.
No entanto, ética designa mais especificamente a disciplina filosófica que investiga o que é a moral, como ela se fundamenta e se aplica. Ou seja, a ética estuda os diversos sistemas morais elaborados pelos seres humanos, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições (proibições) próprias a cada um e explicitar seus pressupostos, isto é, as concepções sobre o ser humano e a existência humana que os sustentam.


Joaquin Salvador Lavado (QUINO) Todo Mofo/do - Martins Fontes. 1991, p. 120.
·         Comente essa tirinha. Você concorda com a visão apresentada por Manolito? Por quê?


Nesse sentido, a ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o comportamento moral. No entanto, as reflexões éticas não se restringem à busca de conhecimento teórico sobre os valores humanos, cuja origem e desenvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, religioso etc.
Como filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética orienta-se também pelo desejo de unir o saber ao fazer, ou seja, busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. E, para isso, é indispensável boa parcela de conhecimento teórico.
Veremos a seguir algumas concepções fundamentais no campo da ética, bem como as discussões que despertam.

Moral e direito
Eis uma questão que talvez você esteja se fazendo: "Normas morais e normas jurídicas são a mesma coisa? Há diferença entre elas”?
Sabemos que as normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da sociedade, e ambas destinam-se a regulamentar as relações nesse grupo de pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas.
Por exemplo:
 • apresentam-se como imperativos, ou seja, normas que devem ser seguidas por todos;
 Joaquin Salvador Lavado (QUINO) Todo Mofo/do - Martins Fontes. 1991, p. 120.
• buscam propor, por meio de normas, uma convivência melhor entre os indivíduos;
• orientam-se pelos valores culturais próprios de uma determinada sociedade;
•têm um caráter histórico, isto é, mudam de acordo com as transformações histórico-sociais.
No entanto, a despeito dessas semelhanças, há diferenças fundamentais entre a moral e o direito:
• as normas morais são cumpridas a partir da convicção pessoal de cada indivíduo, enquanto as normas jurídicas devem ser cumpridas sob pena de punição do Estado em caso de desobediência;
• a punição, no campo do direito, está prevista na legislação, ao passo que, no campo da moral, a eventual sanção pode variar bastante, pois depende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma;
• a esfera da moral é mais ampla, atingindo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera do direito restringe-se a questões específicas nascidas da interferência de condutas sociais. O direito costuma ser regido pelo princípio de que tudo é permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;
• a moral não se traduz em um código formal, enquanto o direito sim;
• o direito mantém uma relação estreita com o Estado, enquanto a moral não apresenta essa vinculação.

De todas essas diferenças, talvez uma mereça maior destaque: a coercibilidade da norma jurídica, que conta com a força e a repressão potencial do Estado (através da ação da justiça e da polícia) para ser obedecida pelas pessoas. A norma moral, por sua vez, não é sustentada pela coerção do Estado, o que implica que ela depende, de certo modo, da aceitação de cada individua para ser cumprida. Por isso, a norma moral costuma ser vinculada, por alguns filósofos, à ideia de liberdade.

Moral e liberdade
Pode parecer estranho vincular a ideia de norma moral à ideia de liberdade, você não acha? Mas podemos explicar essa relação. Preste atenção.
Conforme vimos antes (no capítulo 4), a consciência talvez seja a melhor característica que distingue o ser humano dos outros animais. Ela permite o desenvolvimento do saber e da racionalidade, que se empenha em separar o falso do verdadeiro.
Além dessa consciência racional, lógica, o ser humano possui também consciência moral, isto é, a faculdade de observar a própria conduta e formular juízos sobre os atos passados, presentes e as intenções futuras. E, depois de julgar, tem condições de escolher, entre as circunstancias possíveis, seu próprio caminho na vida. A essa possibilidade que cada indivíduo tem de escolher seu caminho, de construir sua maneira de ser e sua história, chamamos liberdade.

Liberdade e responsabilidade
Assim, se consciência moral e liberdade estão intimamente relacionadas, só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem escolha (liberdade), quando se é coagido a praticar uma ação, é impossível decidir entre o bem e o mal (consciência moral). A decisão, nesse caso, é imposta pelas forças coativas, isto é, que determinam uma conduta. Exemplo: tendo o filho sequestrado, o pai cumpre ordens do sequestrador. Sua ação está determinada pela coação do criminoso.
Quando, porém, estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação e fazemos uma escolha, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos e podemos ser julgados moralmente por isso.
Observemos que o termo responsabilidade vem do latim respondere, "responder", e significa estar em condições de responder pelos atos praticados, isto é, de justificá-los e assumi-los. É essa responsabilidade, enfim, que pode ser julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do seu grupo social.

Bosch. Nem sempre é fácil distinguir entre o que é bom e o que é mau. Até mesmo os santos não estiveram livres desse dilema, como Jesus e Antão. Ambos tiveram de resistir às tentações do diabo, que se multiplicavam à sua volta no deserto.

Virtude e vício
Uma propriedade que se costuma atribuir à consciência moral é a de que ela nos fala como uma voz interior que geralmente nos inclina para o caminho da virtude. Mas o que é virtude?
A palavra virtude deriva do latim virtus, "força ou qualidade essencial", e significa, no contexto da moral, a qualidade ou ação que dignifica o ser humano. E qual é essa qualidade ou ação?
Há muitas interpretações sobre esse tema, mas podemos dizer, basicamente, que é a prática constante do bem, correspondendo ao uso da liberdade com responsabilidade moral. Assim, são consideradas virtudes a polidez, a fidelidade, a prudência, a justiça, a coragem, a generosidade etc. À ideia de virtude opõe-se a de vício, que consiste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade moral. Assim, são considerados vícios a violência, a infidelidade, a insensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez etc.
Analisando essa relação entre responsabilidade e virtude, Erich Fromm concluiu que a responsabilidade primordial do ser humano está relacionada com a própria condição humana, isto é, com a realização de suas potencialidades de vida. Assim:
O bem é a firmação da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade por sua própria existência. O mal constitui a mutilação das capacidades do homem; o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo. (Análise do homem, p. 30).

Liberdade versus determinismo
Agora que explicamos por que alguns filósofos vinculam moral e liberdade, bem como liberdade e responsabilidade, talvez você se pergunte: "Mas somos realmente livres para decidir?", "E, se somos, que liberdade é essa?".
Do ponto de vista da discussão filosófica, podemos sintetizar três respostas diferentes para esses problemas: uma que enfatizou o determinismo, outra que destacou o papel da liberdade e uma terceira que procurou estabelecer uma dialética entre os dois termos. Vejamos cada uma.

Ênfase no determinismo
De acordo com essa via de interpretação, a liberdade não existe, pois o ser humano seria sempre determinado, seja por sua natureza biológica (necessidades e instintos), seja por sua natureza histórico-social (leis, normas, costumes). Em outras palavras, as ações individuais seriam causadas e determinadas por fatores naturais ou constrangimentos sociais, e a liberdade seria apenas uma ilusão.
Essa concepção encontra-se presente no pensamento de filósofos materialistas do século XVIII, tais como os franceses Helvetius (1715-1771) e Holbach (1723-1789).

Ênfase na liberdade
Para essa via de interpretação, o ser humano é sempre livre. Embora os defensores dessa posição admitam a existência das determinações de origem externa, sociais, e as de origem interna, como desejos, impulsos etc., sustentam a tese de que o individuo possui uma liberdade moral que está acima dessas determinações. Assim, apesar de todos os fatores sociais e subjetivos que atuam sobre cada indivíduo, ele sempre possui uma possibilidade de escolha e pode agir livremente a partir de sua autodeterminação. A maior expressão dessa concepção filosófica acerca da liberdade é encontrada no pensamento do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que afirmou que "o homem está condenado a ser livre" (O exístendalismo é um humanismo, p. 9). (Reveja sua argumentação no capítulo 16.)
Quão pré-determinadas são nossas vidas?

Dialética entre liberdade e determinismo
Segundo essa via de interpretação, o ser humano é determinado e livre ao mesmo tempo. Determinismo e liberdade não se excluem, mas se complementam. Nessa perspectiva, não faz sentido pensar em uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade.
 A liberdade é sempre uma liberdade concreta, situada no interior de um conjunto de condições objetivas de vida. No entanto, embora nossa liberdade seja restringida por fatores objetivos que cercam nossa existência factual, podemos sempre atuar no sentido de alargar as possibilidades dessa liberdade, e isso será tanto mais eficiente quanto maior for nossa consciência a respeito desses fatores.
Essa concepção é encontrada no pensador holandês Espinosa e nos filósofos alemães Hegel e Marx. À parte as muitas diferenças entre seus pensamentos, o ponto em comum é a ideia de que a liberdade é a compreensão da necessidade (dos determinismos). (No final do capítulo você encontrará textos de alguns pensadores mencionados defendendo essas três posições filosóficas acerca da liberdade.)

Origens da violência e da maldade
Quando se fala em violência ou maldade, uma das primeiras coisas em que pensamos é, por exemplo, no ladrão de casas e carros, no assassino sanguinário, enfim, nos inúmeros criminosos que agridem pessoas e assaltam o patrimônio alheio. Podemos pensar também na violência dentro da família, geralmente contra mulheres e crianças.
Menos comum é pensarmos na violência institucionalizada pelos sistemas de exploração social, isto é, a violência cruel dos salários de fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde pública, do descaso pela educação, do preconceito racial etc. Violências surdas que oprimem milhões de pessoas "sem vez" e ainda "sem voz".
Temos também a violência do ser humano contra a natureza, provocando graves desequilíbrios ecológicos. E, por fim, há ainda a violência do indivíduo contra si próprio, em que o suicídio costuma ser apontado como exemplo extremo.
Então, em um sentido amplo, podemos dizer que a violência ou a maldade são formas de desrespeito, agressão e destruição praticadas pelo indivíduo contra si próprio, contra outras pessoas (sociedade) ou contra a natureza.
Mas quais são as causas do mal? Responder a essa questão não é tarefa fácil. Ela atormentou filósofos de todos os tempos, que nunca tiveram grande sucesso ao abordá-la. É possível, porém, identificar pelo menos duas respostas antagônicas sobre as causas da violência ou da maldade, fornecidas pela psicologia e pela psicanálise:
• instintivista - afirma que a violência humana, concretizada nas guerras, nos crimes, na opressão social, na conduta autodestrutiva. é provocada por instintos inatos decorrentes da fisiologia básica do ser humano. Esse instinto agressivo sempre busca sua descarga e aproveita as ocasiões favoráveis para se manifestar. No grupo de pensadores partidários do instintivismo destacam-se o austríaco Konrad Lorenz (1903-1989), criador da etologia, e Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicanálise. Há, entretanto, inúmeras divergências entre as concepções de Freud e Lorenz:
• socioambientalista - nega que a violência seja um atributo inato do ser humano. Afirma que o comportamento humano (pacífico ou violento) é moldado pela influência do meio ambiente, isto é, pelos fatores sociais, econômicos, políticos e culturais. Assim, as diferenças de conduta entre as pessoas corresponderiam às diferenças socioambientais que teriam influenciado a personalidade dos indivíduos. No grupo socioambientalista destaca-se a corrente dos psicólogos behavioristas (do inglês behauior, "comportamento"), fundada pelo estadounidense J. B. Watson (1878-1958) e desenvolvida pelo também estadounidense B. F. Skinner (1904-1990).
Para os instintivistas, o ser humano reproduz os impulsos orgânicos de sua espécie. O indivíduo repete o passado filogenético. Para os socioambientalistas, o ser humano reproduz a influência do seu meio ambiente. O indivíduo repete o padrão cultural da sociedade em que vive.
Além dos instintivistas e dos socioambientalistas, há outra posição que sustenta a tese de que o ser humano não é um títere, que só reage passivamente ao meio ambiente (socioambientalismo), nem um ser aprisionado pelos instintos filogenéticos (instintivismo). O ser humano é mais que tudo isso: é multideterminado, é um sistema complexo. Por isso, age e reage, cria e copia sentidos para a vida. E o problema da origem do mal segue aberto.

Análise e entendimento
1. Embora sejam usadas muitas vezes como sinônimos, que significados específicos suem as palavras moral e ética?

2. Em sua opinião, quais as grandes questões que a ética procura responder no mundo de hoje? Comente.

3. Sintetize:
a) Em que são semelhantes as normas morais e as normas jurídicas?
b) O que as distingue?
c) A que campo de estudo pertence cada uma?

4. Procure expressar o que você entendeu da relação entre moral e liberdade, usando os seguintes conceitos: consciência moral, juízo, escolha, liberdade:

5. Só faz sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Comente essa afirmação e dê exemplos.

6. Discorra sobre a virtude e o vício. Analise-os, compare-os e dê exemplos partir de seu cotidiano. para cada um a

7. Como se expressa, no âmbito da moral, a relação dialética entre o indivíduo e a sociedade? Quando ocorrem transformações nas normas morais?

8. Com base nas distinções feitas neste capítulo, analise e compare as seguintes escolhas morais:
a) a ação correta e ação incorreta;
b) a ação incorreta e a que expressa conflito ético;
c) o niilismo ético e o permissivismo ético.


ÉTICA NA HISTÓRIA

Algumas concepções da filosofia moral.
Vejamos, de forma resumida, algumas das reflexões éticas que marcaram os grandes períodos históricos. Para isso, retomaremos aspectos do pensamento de alguns filósofos estudados anteriormente. Daremos destaque às concepções de Aristóteles, na Antiguidade, Santo Agostinho, na Idade Média, Immanuel Kant, na Idade Moderna.

Antiguidade: ética grega
A preocupação com os problemas éticos teve início deforma mais sistematizada na época de Sócrates, filósofo também conhecido como "o pai da moral". Vejamos o que disseram os principais filósofos gregos desse período sobre essa questão:
• Os sofistas afirmavam que não existem normas e verdades universalmente válidas. Tinham, portanto, uma concepção ética relativista ou subjetivista.
• Ao contrário dos sofistas, Sócrates sustentou a existência de um saber universalmente válido, que decorre do conhecimento da essência humana, a partir da qual se pode conceber a fundamentação de uma moral universal. E o que é essencial no ser humano? Sua alma racional. O ser humano é, essencialmente, razão. E é na razão que se devem, portanto, fundamentar as normas e costumes morais. Por isso, dizemos que a ética socrática é racionalista. O indivíduo que age conforme a razão age corretamente.
• Platão desenvolveu o racionalismo ético iniciado por Sócrates, aprofundando a diferença entre corpo e alma. Argumentava que o corpo, por ser a sede dos desejos e paixões, muitas vezes desvia o indivíduo de seu caminho para o bem. Assim, defendeu a necessidade de purificação do mundo material para alcançar a ideia de bem. Segundo Platão, o ser humano não consegue caminhar em busca da perfeição agindo sozinho. Necessita, portanto, da sociedade, da pólis. No plano ético, o indivíduo bom é também o bom cidadão.
• Depois do período clássico grego, o estoicismo desenvolveu uma ética baseada na procura da paz interior e no autocontrole individual, fora dos contornos da vida política. Assim, o princípio da ética estoica é a apatia (apatheia), atitude de aceitação de tudo o que acontece, e o amor ao destino (amor fati), porque tudo faria parte de um plano superior guiado por uma razão universal que a tudo abrangeria. Desse modo atingia-se a ataraxia, ou imperturbabilidade da alma.
• A ética do epicurismo, de forma semelhante, defendia a atitude de desvio da dor e procura do prazer espiritual, do autodomínio e a paz de espírito (ataraxia).

Ética do equilíbrio
Aristóteles também desenvolveu uma reflexão ética racionalista, mas sem o dualismo corpo-alma platônico. Procurou construir uma ética mais realista, mais próxima do individuo concreto. Para tanto, perguntou-se sobre o fim último do ser humano. Para o que tendemos? E respondeu: para a felicidade. Todos nós buscamos a felicidade.
E o que entende Aristóteles por felicidade? Para o filósofo, a felicidade não se confunde com o simples prazer, o prazer das sensações ou o prazer proporcionado pela riqueza e pelo conforto material. A felicidade maior se encontraria na vida teórica, que promove o que há de mais especificamente humano: a razão.
O indivíduo que se desenvolve no plano teórico, contemplativo, pode compreender a essência da felicidade e realizá-la de forma consciente. Mas isso seria privilégio de uma minoria. Segundo o filósofo, a pessoa comum, aquela que não pode se dedicar à atividade teórica, aprenderia a agir corretamente apenas pelo hábito.
Assim, agir corretamente seria praticar as virtudes. E o que seria a virtude? Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles explica:
A excelência moral [virtude moral]. então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio-termo determinado pela razão. Trata-se de um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio-termo. (p. 42).
A coragem, por exemplo, seria uma virtude situada entre a covardia (a deficiência) e a temeridade (o excesso). Assim, o filósofo propôs uma ética do meio-termo, na qual a virtude consistiria em procurar o ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência.
É importante notar que, tanto em Platão como em Aristóteles, a ética estava vinculada à vida política. Aristóteles refere-se mesmo à ética como sendo um ramo da política, já que a primeira trataria do bem-estar individual, enquanto a segunda se voltaria para o bem comum.

Idade Média: ética cristã
O que diferencia radicalmente a ética cristã da ética grega são dois pontos:
abandono do racionalismo - a ética cristã deixou de lado a ideia de que é pela razão que se alcança a perfeição moral e centrou a busca dessa perfeição no amor a Deus e na boa vontade;
emergência da subjetividade - acentuando a tendência já esboçada na filosofia de estoicos e epicuristas, a ética cristã tratou a moral do ponto de vista estritamente pessoal, como uma relação entre cada indivíduo e Deus, isolando-o de sua condição social e atribuindo à subjetividade uma importância até então desconhecida.
Os filósofos medievais herdaram alguns elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-os no interior de uma ética cristã. Santo Tomás de Aquino (século XIII), por exemplo, recuperou da ética aristotélica a ideia de felicidade como fim último do ser humano, mas cristianizou essa noção ao identificar Deus como a fonte dessa felicidade.

Ética do livre-arbítrio.
Santo Agostinho (século III) transformou a ideia de purificação da alma, da filosofia de Platão, na ideia da necessidade de elevação as cética para compreender os desígnios de Deus. Também a ideia da imortalidade da alma, presente em Platão, foi retrabalhada por Agostinho na perspectiva cristã.
Mas a ética agostiniana destaca-se por outro conceito. Ao tentar explicar como pode existir o mal se tudo vem de Deus - e Deus é bondade infinita -, Santo Agostinho introduziu a ideia de liberdade como livre-arbítrio, isto é, a noção de que cada indivíduo pode escolher livremente entre aproximar-se de Deus ou afastar-se Dele. O afastamento de Deus é que seria o mal, de acordo com o filósofo.
Com a noção de livre-arbítrio, de escolha individual, Agostinho acentuou o papel da subjetividade humana nas coisas do mundo. O livre-arbítrio é o meio pelo qual o ser humano realiza sua liberdade, mas, de acordo com a concepção cristã, cada indivíduo pode usá-lo bem ou mal- e é no mau uso que estaria a origem de todo o mal.
De outro lado, o conceito de livre-arbítrio esvaziou a noção grega de liberdade como possibilidade de realização plena dos indivíduos em seu meio social. Em outras palavras, diminuiu a importância da dimensão social da liberdade, e esta passou a ter um caráter mais pessoal, subjetivo, individualista.

Idade Moderna: ética antropocêntrica
Com o final da Idade Média, marcado pelo Renascimento, há uma retomada do humanismo, conforme vimos no capítulo 14. No terreno da reflexão ética, esse fato orientou uma nova concepção moral, centrada na autonomia humana.
No Iluminismo, essa orientação fica mais evidente, pois os filósofos passam a defender a ideia de que a moral deve ser fundamentada não mais em valores religiosos, e sim naqueles oriundos da compreensão do que é a natureza humana.
A concepção mais expressiva do período moderno a respeito da natureza humana é a de uma natureza racional, que encontra em Kant sua formulação mais bem-acabada.

Ética do dever
Em seus textos Crítica da razão prática e Fundamentação da metafísica dos costumes, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) aponta a razão humana como uma razão legisladora, capaz de elaborar normas universais, uma vez que constitui um predicado universal dos seres humanos. As normas morais teriam, portanto, sua origem na razão.
Embora, em Kant, as normas morais devam ser obedecidas como deveres, a noção kantiana de dever confunde-se com a própria noção de liberdade, porque, em seu pensamento, o indivíduo que obedece a uma norma moral atende à liberdade da razão, isto é, àquilo que a razão, no uso de sua liberdade, determinou como correto. Dessa forma, a sujeição à norma moral é o reconhecimento de sua legalidade, conferida pelos próprios indivíduos racionais.
Kant reforça essa ideia ao dizer que um ato só pode ser considerado moral quando praticado de forma autônoma, consciente, e por dever. Com isso, acentua o reconhecimento do dever como uma expressão da racionalidade humana, única fonte legítima da moralidade.
A clareza dessa ideia é assim expressa pelo filósofo:
Age apenas segundo uma máxima [um princípio] tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. (Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 59).
Essa exigência é denominada por Kant de imperativo categórico, ou seja, é uma determinação imperativa, que deve ser observada sempre, em toda e qualquer decisão ou ato moral que venhamos a praticar. Em outras palavras, o que o filósofo quer dizer é que nossa ação deve ser tal que possa ser universalizada, ou seja, que possa ser realizada por todos os outros indivíduos sem prejuízo para a humanidade. Se não puder ser universalizada, não será moralmente correta e só acontecerá como exceção, nunca como regra. Vejamos como Kant se expressa a esse respeito:
Se prestarmos atenção ao que se passa em nós mesmos sempre que transgredimos qualquer dever, descobriremos que, na realidade, não queremos que a nossa máxima se torne lei universal, porque isso nos é impossível; o contrário dela é que deve universalmente continuar a ser lei; nós tomamos apenas a liberdade de abrir nela uma exceção para nós. (Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 63).
E por que realizamos atos contrários ao dever e, portanto, contrários à razão? Kant dirá que é porque nossa vontade é também afetada pelas inclinações, que são os desejos, as paixões, os medos, e não apenas pela razão. Por isso afirma que devemos educar a vontade para alcançar a boa vontade, que seria aquela guiada unicamente pela razão.
Em resumo, a ética kantiana é uma ética formal ou formalista, pois postula o dever como norma universal, sem se preocupar com a condição individual, em que cada um se encontra diante desse dever. Em outras palavras, Kant nos dá a forma geral da ação moralmente correta (o imperativo categórico), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não nos diz o que devemos fazer em cada situação concreta.

Idade Contemporânea: ética do indivíduo concreto
A reflexão ética na Idade Contemporânea (séculos XIX e XX) desdobrou-se em uma série de concepções distintas acerca do que seja a moral e sua fundamentação. Seu ponto comum é a recusa de uma fundamentação exterior, transcendental para a moralidade, centrando no indivíduo concreto a origem dos valores e das normas morais.
Um dos primeiros passos na formulação de uma ética do indivíduo concreto foi dado por Hegel, em sua crítica ao formalismo de Kant.

Fundamentação histórico-social
Como diversos autores contemporâneos, o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) questionou o formalismo da ética kantiana. Para ele, ao não levar em consideração a história e a relação do indivíduo com a sociedade, a ética de Kant não apreende os conflitos reais existentes nas decisões morais. Kant teria considerado a moral apenas como uma questão pessoal, íntima e subjetiva, na qual o sujeito tem que se decidir entre suas inclinações (desejos, medos etc.) e sua razão.
De acordo com Hegel, portanto, a moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das sociedades, e a vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma sociedade em seu conjunto. A moral seria o resultado da relação entre o indivíduo e o conjunto social. E em cada momento histórico se manifestaria tanto nos códigos normativos como, implicitamente, na cultura e nas instituições sociais. Desse modo, Hegel vinculou a ética à história e à sociedade.

Fundamentação ideológica
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) entendia a moral como uma produção social que atende a determinada demanda da sociedade. E essa demanda deve contribuir para a regulação das relações sociais.
Como as relações sociais se transformam ao longo da história, transformam-se também os indivíduos e as moralidades que regulam essas relações. Isso quer dizer que Marx compreende a moral como uma forma de consciência própria a cada momento do desenvolvimento da existência social.
Assim, os valores que fundamentam as normas morais derivam da existência social e, portanto, não são absolutos, não valem de forma universal para todos os indivíduos e para todos os tempos. A liberdade, por exemplo, embora seja um valor universal, teve conteúdos diferenciados ao longo da história.
Com base no conceito de liberdade, Marx mostra como os valores morais, que são concebidos em meio a determinada forma de existência social, também refletem essa existência. A liberdade, de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem, do final do século XVIII, é o poder que o indivíduo tem de fazer tudo o que não prejudique os direitos dos outros. Na análise do filósofo, esse sentido de liberdade, forjado pela modernidade, reflete a existência de indivíduos isolados, competitivos, ou seja, formados por uma sociabilidade que estimula a competitividade e a concorrência como valores.
Assim, a moral seria, para Marx, uma das formas assumidas pela ideologia dominante em sociedade, pois difunde determinados valores que são necessários à manutenção dessa sociedade. É a fundamentação ideológica da moral.

Ética discursiva
Outra busca de respostas e fundamentação para uma ética contemporânea desenvolveu-se no campo da análise da linguagem.
O filósofo alemão Jurgen Habermas (1929-) é um dos maiores representantes dessa corrente, com sua ética discursiva, ou seja, fundada no diálogo e no consenso entre os sujeitos. O que se buscaria nesse diálogo é a razão que, tendo sido reconhecida pelos participantes do diálogo, sirva como fundamentação última para a ação moral.
Como vimos anteriormente (no capítulo 16), o conceito de razão em Habermas não é o mesmo do iluminismo. Trata-se de uma razão comunicativa, que não existe pronta nem acabada, mas que se constrói a partir de uma argumentação que leva a um entendimento entre os indivíduos. É uma razão interpessoal e não subjetiva; é uma razão processual e não definitiva e acabada.
Para que essa argumentação leve a um entendimento real entre os indivíduos é necessário que o diálogo seja um diálogo livre, sem constrangimentos de qualquer ordem, e que o convencimento se dê a partir de argumentos válidos e coerentes.
A ética discursiva de Habermas é, portanto, uma aposta na linguagem e na capacidade de entendimento entre as pessoas na busca de uma ética democrática e não autoritária, baseada em valores validados e consensualmente aceitos.
A grande questão que permanece em relação a essa proposta ética é quanto às condições de realização de um diálogo livre e igualitário na sociedade de hoje, marca da pela desigualdade e pelo constrangimento.

Análise e entendimento
9. Por que a ética do período clássico grego é considerada racionalista?
Justifique com exemplos das concepções éticas dos filósofos desse período.

10. Aristóteles explicava a virtude como o meio-termo entre dois vícios. Com base nessa afirmação, explique a ética aristotélica.


11. Por que a ética do período medieval é chamada de cristã? Quais são os aspectos que a caracterizam como cristã e que a diferenciam da ética grega?
12. Para Santo Agostinho, a virtude é o bom uso da liberdade de escolha, do livre-arbítrio. Com base nessa afirmação, explique a ética agostiniana.

13. Por que a ética da Idade Moderna pode ser considerada uma ética antropocêntrica? Vincule sua resposta a uma interpretação da seguinte frase de um filósofo desse período, Voltaire, em seu Tratado de Metafísica (cap.9): "Ser desprezado por aqueles com quem se vive é coisa que ninguém pôde e jamais poderá suportar. Talvez seja esse o maior freio que a natureza tenha posto nas injustiças dos homens".

14. Para Kant, a virtude é a força das máximas do indivíduo na realização de seu dever. Com base nessa afirmação, explique a ética kantiana. 1 S. Desde o início do período contemporâneo, a reflexão ética radicalizou a recusa de uma fundamentação transcendental para a moralidade. Seu ponto de partida passou a ser não o ser humano ideal, mas o indivíduo concreto e social, com suas necessidades, desejos, limitações e aberturas. Sintetize como se expressa essa tendência nas concepções éticas dos seguintes filósofos:
a) Hegel;               b) Marx;                 c) Habermas.


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