COLÉGIO ESTADUAL PAULO FREIRE.
A ética
Questões
filosóficas
O que é a moral?
Quais são os fundamentos da moral?
Em que se funda a ação moral?
O que é a virtude? E o vicio?
Somos livres para escolher uma ação?
Qual é a causa do mal?
Como viver para ser feliz?
Existe livre-arbítrio?
ÉTICA E MORAL:
O problema da
ação e dos valores.
Em
nosso dia a dia, deparamo-nos frequentemente com situações em que temos que
tomar uma decisão. Muitas vezes elas dependem daquilo que consideramos bom,
justo ou correto. Toda vez que isso ocorre, estamos diante de uma decisão que
envolve um julgamento moral, a partir do qual vamos orientar nossa ação ou a
ação de outras pessoas. Como afirmou o filósofo grego Aristóteles:
A
característica específica do homem em comparação com os outros animais é que
somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras
qualidades morais. (Política, p. 15).
Assim,
o ser humano age no mundo de acordo com valores, isto é, a partir daquilo que
tem maior importância ou é prioridade para ele segundo certos códigos morais.
Isso significa que as coisas e as ações que um indivíduo realiza podem ser
hierarquizadas conforme as noções de bem e de justo compartilhadas por um grupo
de pessoas, em um determinado momento. Em outras palavras, o ser humano é um
ser moral: um ser capaz de avaliar sua conduta a partir de valores morais.
Distinção entre
moral e ética.
O
que é mora? E qual a diferença entre moral entre moral e ética?
Embora
os termos ética e moral por sua vez sejam usados como sinônimos, é possível
fazer uma distinção entre eles.
A
palavra moral vem do latim mos, mor-, "costumes", e refere-se ao
conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os
valores próprios a uma dada comunidade ou cultura. Como as comunidades humanas
são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores também
podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais
diferentes. Pertence ao vasto campo da moral a definição sobre questões
fundamentais, como:
•
O que devo fazer para ser justo?
•
Quais valores devo escolher para guiar minha vida?
• Há uma
hierarquia de valores que deve ser seguida?
•Que tipo- de
ser humano devo ser nas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a
natureza?
• Que tipo de
atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão?
A
palavra ética, por sua vez, vem do grego ethikos, "modo de ser",
"comportamento". Portanto, etímologicamente os dois termos querem
dizer quase a mesma coisa.
No
entanto, ética designa mais especificamente a disciplina filosófica que
investiga o que é a moral, como ela se fundamenta e se aplica. Ou seja, a ética
estuda os diversos sistemas morais
elaborados pelos seres humanos, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições (proibições) próprias
a cada um e explicitar seus pressupostos,
isto é, as concepções sobre o ser humano e a existência humana que os
sustentam.
Joaquin Salvador Lavado (QUINO) Todo Mofo/do - Martins
Fontes. 1991, p. 120.
·
Comente essa
tirinha. Você concorda com a visão apresentada por Manolito? Por quê?
Nesse
sentido, a ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o
comportamento moral. No entanto, as reflexões éticas não se restringem à busca
de conhecimento teórico sobre os valores humanos, cuja origem e desenvolvimento
levantam questões de caráter sociológico, antropológico, religioso etc.
Como
filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a
ética orienta-se também pelo desejo de unir o saber ao fazer, ou seja, busca
aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. E, para
isso, é indispensável boa parcela de conhecimento teórico.
Veremos
a seguir algumas concepções fundamentais no campo da ética, bem como as
discussões que despertam.
Moral e direito
Eis
uma questão que talvez você esteja se fazendo: "Normas morais e normas
jurídicas são a mesma coisa? Há diferença entre elas”?
Sabemos
que as normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da
sociedade, e ambas destinam-se a regulamentar as relações nesse grupo de
pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas.
Por
exemplo:
• apresentam-se como imperativos, ou seja, normas que devem ser seguidas por
todos;
Joaquin Salvador Lavado (QUINO) Todo Mofo/do -
Martins Fontes. 1991, p. 120.
• buscam propor,
por meio de normas, uma convivência
melhor entre os indivíduos;
• orientam-se pelos
valores culturais próprios de uma determinada sociedade;
•têm um caráter histórico, isto é, mudam
de acordo com as transformações histórico-sociais.
No entanto, a
despeito dessas semelhanças, há diferenças fundamentais entre a moral e o
direito:
• as normas
morais são cumpridas a partir da convicção
pessoal de cada indivíduo, enquanto as normas jurídicas devem ser
cumpridas sob pena de punição do
Estado em caso de desobediência;
• a punição, no
campo do direito, está prevista na legislação,
ao passo que, no campo da moral, a eventual sanção pode variar bastante, pois
depende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma;
• a esfera da
moral é mais ampla, atingindo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera
do direito restringe-se a questões específicas nascidas da interferência de
condutas sociais. O direito costuma ser regido pelo princípio de que tudo é
permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;
• a moral não se
traduz em um código formal, enquanto o direito sim;
• o direito
mantém uma relação estreita com o Estado, enquanto a moral não apresenta essa
vinculação.
De
todas essas diferenças, talvez uma mereça maior destaque: a coercibilidade da norma jurídica,
que conta com a força e a repressão potencial do Estado (através da ação da
justiça e da polícia) para ser obedecida pelas pessoas. A norma moral, por sua
vez, não é sustentada pela coerção do Estado, o que implica que ela depende, de
certo modo, da aceitação de cada individua para ser cumprida. Por isso, a norma
moral costuma ser vinculada, por alguns filósofos, à ideia de liberdade.
Moral e liberdade
Pode
parecer estranho vincular a ideia de norma moral à ideia de liberdade, você não
acha? Mas podemos explicar essa relação. Preste atenção.
Conforme
vimos antes (no capítulo 4), a consciência talvez seja a melhor característica
que distingue o ser humano dos outros animais. Ela permite o desenvolvimento do
saber e da racionalidade, que se empenha em separar o falso do verdadeiro.
Além
dessa consciência racional, lógica, o ser humano possui também consciência moral, isto é, a
faculdade de observar a própria conduta e formular juízos sobre os atos passados, presentes e as intenções
futuras. E, depois de julgar, tem condições de escolher, entre as circunstancias possíveis, seu próprio
caminho na vida. A essa possibilidade que cada indivíduo tem de escolher seu
caminho, de construir sua maneira de ser e sua história, chamamos liberdade.
Liberdade e responsabilidade
Assim,
se consciência moral e liberdade estão intimamente relacionadas, só tem sentido
julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade.
Quando não se tem escolha (liberdade), quando se é coagido a praticar uma ação,
é impossível decidir entre o bem
e o mal (consciência moral). A
decisão, nesse caso, é imposta pelas forças coativas, isto é, que determinam
uma conduta. Exemplo: tendo o filho sequestrado, o pai cumpre ordens do
sequestrador. Sua ação está determinada pela coação do criminoso.
Quando,
porém, estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação e fazemos uma
escolha, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos e podemos ser julgados
moralmente por isso.
Observemos
que o termo responsabilidade vem do latim respondere, "responder", e
significa estar em condições de responder pelos atos praticados, isto é, de
justificá-los e assumi-los. É essa responsabilidade, enfim, que pode ser
julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do seu grupo social.
Bosch. Nem
sempre é fácil distinguir entre o que é bom e o que é mau. Até mesmo os santos
não estiveram livres desse dilema, como Jesus e Antão. Ambos tiveram de
resistir às tentações do diabo, que se multiplicavam à sua volta no deserto.
Virtude e vício
Uma
propriedade que se costuma atribuir à consciência moral é a de que ela nos fala
como uma voz interior que geralmente nos inclina para o caminho da virtude. Mas
o que é virtude?
A
palavra virtude deriva do latim virtus, "força ou qualidade
essencial", e significa, no contexto da moral, a qualidade ou ação que
dignifica o ser humano. E qual é essa qualidade ou ação?
Há muitas interpretações sobre esse
tema, mas podemos dizer, basicamente, que é a prática constante do bem,
correspondendo ao uso da liberdade com responsabilidade moral. Assim, são
consideradas virtudes a polidez, a fidelidade, a prudência, a justiça, a
coragem, a generosidade etc. À ideia de virtude opõe-se a de vício, que
consiste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade
moral. Assim, são considerados vícios a violência, a infidelidade, a
insensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez etc.
Analisando essa relação entre
responsabilidade e virtude, Erich Fromm concluiu que a responsabilidade
primordial do ser humano está relacionada com a própria condição humana, isto
é, com a realização de suas potencialidades de vida. Assim:
O bem é a firmação da vida, o desenvolvimento
das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade por
sua própria existência. O mal constitui a mutilação das capacidades do homem; o
vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo. (Análise do homem, p. 30).
Liberdade versus
determinismo
Agora
que explicamos por que alguns filósofos vinculam moral e liberdade, bem como
liberdade e responsabilidade, talvez você se pergunte: "Mas somos
realmente livres para decidir?", "E, se somos, que liberdade é
essa?".
Do
ponto de vista da discussão filosófica, podemos sintetizar três respostas
diferentes para esses problemas: uma que enfatizou o determinismo, outra que
destacou o papel da liberdade e uma terceira que procurou estabelecer uma
dialética entre os dois termos. Vejamos cada uma.
Ênfase no
determinismo
De acordo com essa via de
interpretação, a liberdade não existe, pois o ser humano seria sempre
determinado, seja por sua natureza biológica (necessidades e instintos), seja
por sua natureza histórico-social (leis, normas, costumes). Em outras palavras,
as ações individuais seriam causadas e determinadas por fatores naturais ou
constrangimentos sociais, e a liberdade seria apenas uma ilusão.
Essa concepção encontra-se presente
no pensamento de filósofos materialistas do século XVIII, tais como os
franceses Helvetius (1715-1771) e Holbach (1723-1789).
Ênfase na liberdade
Para
essa via de interpretação, o ser humano é sempre livre. Embora os defensores
dessa posição admitam a existência das determinações de origem externa,
sociais, e as de origem interna, como desejos, impulsos etc., sustentam a tese
de que o individuo possui uma liberdade moral que está acima dessas
determinações. Assim, apesar de todos os fatores sociais e subjetivos que atuam
sobre cada indivíduo, ele sempre possui uma possibilidade de escolha e pode
agir livremente a partir de sua autodeterminação. A maior expressão dessa
concepção filosófica acerca da liberdade é encontrada no pensamento do filósofo
francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que afirmou que "o homem está
condenado a ser livre" (O exístendalismo é um humanismo, p. 9). (Reveja
sua argumentação no capítulo 16.)
Quão pré-determinadas são nossas
vidas?
Dialética entre liberdade e determinismo
Segundo essa via de interpretação, o
ser humano é determinado e livre ao mesmo tempo. Determinismo e liberdade não
se excluem, mas se complementam. Nessa perspectiva, não faz sentido pensar em
uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade.
A liberdade é sempre uma liberdade concreta,
situada no interior de um conjunto de condições objetivas de vida. No entanto,
embora nossa liberdade seja restringida por fatores objetivos que cercam nossa
existência factual, podemos sempre atuar no sentido de alargar as
possibilidades dessa liberdade, e isso será tanto mais eficiente quanto maior
for nossa consciência a respeito desses fatores.
Essa concepção é encontrada no
pensador holandês Espinosa e nos filósofos alemães Hegel e Marx.
À parte as muitas diferenças entre seus pensamentos, o ponto em comum é a ideia
de que a liberdade é a compreensão da necessidade (dos determinismos).
(No final do capítulo você encontrará textos de alguns pensadores mencionados
defendendo essas três posições filosóficas acerca da liberdade.)
Origens da violência e da maldade
Quando se fala em violência ou
maldade, uma das primeiras coisas em que pensamos é, por exemplo, no ladrão de
casas e carros, no assassino sanguinário, enfim, nos inúmeros criminosos que
agridem pessoas e assaltam o patrimônio alheio. Podemos pensar também na
violência dentro da família, geralmente contra mulheres e crianças.
Menos comum é pensarmos na violência
institucionalizada pelos sistemas de exploração social, isto é, a violência
cruel dos salários de fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde pública,
do descaso pela educação, do preconceito racial etc. Violências surdas que
oprimem milhões de pessoas "sem vez" e ainda "sem voz".
Temos também a violência do ser
humano contra a natureza, provocando graves desequilíbrios ecológicos. E, por
fim, há ainda a violência do indivíduo contra si próprio, em que o suicídio
costuma ser apontado como exemplo extremo.
Então, em um sentido amplo, podemos
dizer que a violência ou a maldade são formas de desrespeito, agressão e
destruição praticadas pelo indivíduo contra si próprio, contra outras pessoas
(sociedade) ou contra a natureza.
Mas quais são as causas do mal?
Responder a essa questão não é tarefa fácil. Ela atormentou filósofos de todos
os tempos, que nunca tiveram grande sucesso ao abordá-la. É possível, porém,
identificar pelo menos duas respostas antagônicas sobre as causas da violência
ou da maldade, fornecidas pela psicologia e pela psicanálise:
• instintivista - afirma que a violência humana, concretizada
nas guerras, nos crimes, na opressão social, na conduta autodestrutiva. é
provocada por instintos inatos decorrentes da fisiologia básica do ser humano.
Esse instinto agressivo sempre busca sua descarga e aproveita as ocasiões
favoráveis para se manifestar. No grupo de pensadores partidários do
instintivismo destacam-se o austríaco Konrad Lorenz (1903-1989), criador da
etologia, e Sigmund Freud
(1856-1939), criador da psicanálise. Há, entretanto, inúmeras divergências
entre as concepções de Freud e Lorenz:
• socioambientalista - nega que a violência seja um atributo
inato do ser humano. Afirma que o comportamento humano (pacífico ou violento) é
moldado pela influência do meio ambiente, isto é, pelos fatores sociais,
econômicos, políticos e culturais. Assim, as diferenças de conduta entre as
pessoas corresponderiam às diferenças socioambientais que teriam influenciado a
personalidade dos indivíduos. No grupo socioambientalista destaca-se a corrente
dos psicólogos behavioristas (do inglês behauior, "comportamento"),
fundada pelo estadounidense J. B. Watson (1878-1958) e desenvolvida pelo também
estadounidense B. F. Skinner (1904-1990).
Para os instintivistas, o ser humano
reproduz os impulsos orgânicos de sua espécie. O indivíduo repete o passado
filogenético. Para os socioambientalistas, o ser humano reproduz a influência
do seu meio ambiente. O indivíduo repete o padrão cultural da sociedade em que
vive.
Além dos instintivistas e dos
socioambientalistas, há outra posição que sustenta a tese de que o ser humano
não é um títere, que só reage passivamente ao meio ambiente
(socioambientalismo), nem um ser aprisionado pelos instintos filogenéticos
(instintivismo). O ser humano é mais que tudo isso: é multideterminado, é um
sistema complexo. Por isso, age e reage, cria e copia sentidos para a vida. E o
problema da origem do mal segue aberto.
Análise e
entendimento
1. Embora sejam usadas muitas vezes como sinônimos, que
significados específicos suem as palavras moral e ética?
2. Em sua opinião, quais as grandes questões que a ética
procura responder no mundo de hoje? Comente.
3. Sintetize:
a) Em que são semelhantes as normas morais e as normas
jurídicas?
b) O que as distingue?
c) A que campo de estudo pertence cada uma?
4. Procure expressar o que você entendeu da relação entre
moral e liberdade, usando os seguintes conceitos: consciência moral, juízo,
escolha, liberdade:
5.
Só faz sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi
praticada em liberdade. Comente essa afirmação e dê exemplos.
6. Discorra sobre a virtude e o
vício. Analise-os, compare-os e dê exemplos partir de
seu cotidiano. para cada um a
7. Como se expressa, no âmbito da moral, a relação dialética
entre o indivíduo e a sociedade? Quando ocorrem transformações nas normas
morais?
8. Com base nas distinções feitas
neste capítulo, analise e compare as seguintes
escolhas morais:
a) a ação correta e ação incorreta;
b) a ação incorreta e a que expressa conflito ético;
c)
o niilismo ético e o permissivismo ético.
ÉTICA NA
HISTÓRIA
Algumas concepções da filosofia moral.
Vejamos, de forma resumida, algumas
das reflexões éticas que marcaram os grandes períodos históricos. Para isso,
retomaremos aspectos do pensamento de alguns filósofos estudados anteriormente.
Daremos destaque às concepções de Aristóteles, na Antiguidade, Santo
Agostinho, na Idade Média, Immanuel Kant, na Idade
Moderna.
Antiguidade: ética grega
A preocupação com os problemas
éticos teve início deforma mais sistematizada na época de Sócrates, filósofo
também conhecido como "o pai da moral". Vejamos o que disseram os
principais filósofos gregos desse período sobre essa questão:
• Os sofistas
afirmavam que não existem normas e verdades universalmente válidas. Tinham,
portanto, uma concepção ética relativista
ou subjetivista.
• Ao contrário dos sofistas, Sócrates sustentou
a existência de um saber universalmente válido, que decorre do conhecimento da essência
humana, a partir da qual se pode conceber a fundamentação de uma
moral universal. E o que é essencial no ser humano? Sua alma racional. O
ser humano é, essencialmente, razão. E é na razão que se devem, portanto,
fundamentar as normas e costumes morais. Por isso, dizemos que a ética
socrática é racionalista. O indivíduo que age conforme a razão age
corretamente.
• Platão desenvolveu o racionalismo ético iniciado
por Sócrates, aprofundando a diferença entre corpo e alma. Argumentava que o
corpo, por ser a sede dos desejos e paixões, muitas vezes desvia o indivíduo de
seu caminho para o bem. Assim, defendeu a necessidade de purificação do mundo
material para alcançar a ideia de bem. Segundo Platão, o ser
humano não consegue caminhar em busca da perfeição agindo sozinho. Necessita,
portanto, da sociedade, da pólis. No plano ético, o indivíduo bom é também o
bom cidadão.
• Depois do período clássico grego, o estoicismo
desenvolveu uma ética baseada na procura da paz interior e no autocontrole
individual, fora dos contornos da vida política. Assim, o princípio da ética
estoica é a apatia (apatheia), atitude de aceitação de tudo o que acontece, e o
amor ao destino (amor fati), porque tudo faria parte de um plano superior
guiado por uma razão universal que a tudo abrangeria. Desse modo atingia-se a
ataraxia, ou imperturbabilidade da alma.
• A ética do epicurismo, de forma semelhante, defendia a
atitude de desvio da dor e procura do prazer espiritual, do autodomínio e a paz
de espírito (ataraxia).
Ética do
equilíbrio
Aristóteles também desenvolveu uma
reflexão ética racionalista, mas sem o dualismo corpo-alma platônico. Procurou
construir uma ética mais realista, mais próxima do individuo concreto. Para
tanto, perguntou-se sobre o fim último do ser humano. Para o que tendemos? E
respondeu: para a felicidade. Todos nós buscamos a felicidade.
E o que entende Aristóteles por
felicidade? Para o filósofo, a felicidade não se confunde com o simples prazer,
o prazer das sensações ou o prazer proporcionado pela riqueza e pelo conforto
material. A felicidade maior se encontraria na vida teórica, que promove o que
há de mais especificamente humano: a razão.
O indivíduo que se desenvolve no
plano teórico, contemplativo, pode compreender a essência da felicidade e
realizá-la de forma consciente. Mas isso seria privilégio de uma minoria.
Segundo o filósofo, a pessoa comum, aquela que não pode se dedicar à atividade
teórica, aprenderia a agir corretamente apenas pelo hábito.
Assim, agir corretamente seria praticar
as virtudes. E o que seria a virtude? Em sua obra Ética a Nicômaco,
Aristóteles explica:
A excelência moral [virtude moral].
então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções,
disposição esta consistente num meio-termo determinado pela razão. Trata-se de
um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta
ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a
excelência moral encontra e prefere o meio-termo. (p. 42).
A coragem, por exemplo, seria uma
virtude situada entre a covardia (a deficiência) e a temeridade (o excesso).
Assim, o filósofo propôs uma ética do meio-termo, na qual a virtude consistiria
em procurar o ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência.
É importante notar que, tanto em Platão
como em Aristóteles, a ética estava vinculada à vida política. Aristóteles
refere-se mesmo à ética como sendo um ramo da política, já que a primeira
trataria do bem-estar individual, enquanto a segunda se voltaria para o bem
comum.
Idade Média: ética cristã
O que diferencia radicalmente a
ética cristã da ética grega são dois pontos:
• abandono do racionalismo - a
ética cristã deixou de lado a ideia de que é pela razão que se alcança a
perfeição moral e centrou a busca dessa perfeição no amor a Deus e na boa
vontade;
• emergência da subjetividade -
acentuando a tendência já esboçada na filosofia de estoicos e epicuristas, a
ética cristã tratou a moral do ponto de vista estritamente pessoal, como uma
relação entre cada indivíduo e Deus, isolando-o de sua condição social e
atribuindo à subjetividade uma importância até então desconhecida.
Os filósofos medievais herdaram
alguns elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-os no interior de
uma ética cristã. Santo Tomás de Aquino (século XIII), por exemplo, recuperou
da ética aristotélica a ideia de felicidade como fim último do ser humano, mas
cristianizou essa noção ao identificar Deus como a fonte dessa felicidade.
Ética do livre-arbítrio.
Santo Agostinho (século III) transformou a ideia de
purificação da alma, da filosofia de Platão, na ideia da necessidade de
elevação as cética para compreender os desígnios de Deus. Também a ideia da
imortalidade da alma, presente em Platão, foi retrabalhada por Agostinho na
perspectiva cristã.
Mas a ética agostiniana destaca-se
por outro conceito. Ao tentar explicar como pode existir o mal se tudo vem de
Deus - e Deus é bondade infinita -, Santo Agostinho introduziu a ideia de
liberdade como livre-arbítrio, isto é, a noção de que cada indivíduo pode
escolher livremente entre aproximar-se de Deus ou afastar-se Dele. O
afastamento de Deus é que seria o mal, de acordo com o filósofo.
Com a noção de livre-arbítrio, de
escolha individual, Agostinho acentuou o papel da subjetividade humana nas
coisas do mundo. O livre-arbítrio é o meio pelo qual o ser humano realiza sua
liberdade, mas, de acordo com a concepção cristã, cada indivíduo pode usá-lo
bem ou mal- e é no mau uso que estaria a origem de todo o mal.
De outro lado, o conceito de
livre-arbítrio esvaziou a noção grega de liberdade como possibilidade de
realização plena dos indivíduos em seu meio social. Em outras palavras,
diminuiu a importância da dimensão social da liberdade, e esta passou a ter um
caráter mais pessoal, subjetivo, individualista.
Idade Moderna: ética antropocêntrica
Com o final da Idade Média, marcado pelo Renascimento, há uma
retomada do humanismo, conforme vimos no capítulo 14. No terreno da
reflexão ética, esse fato orientou uma nova concepção moral, centrada na autonomia
humana.
No Iluminismo, essa
orientação fica mais evidente, pois os filósofos passam a defender a ideia de
que a moral deve ser fundamentada não mais em valores religiosos, e sim
naqueles oriundos da compreensão do que é a natureza humana.
A concepção mais expressiva do
período moderno a respeito da natureza humana é a de uma natureza racional, que
encontra em Kant sua formulação mais bem-acabada.
Ética do
dever
Em seus textos Crítica da razão
prática e Fundamentação da metafísica dos costumes, o filósofo alemão Immanuel
Kant (1724-1804) aponta a razão humana como uma razão legisladora,
capaz de elaborar normas universais, uma vez que constitui um predicado
universal dos seres humanos. As normas morais teriam, portanto, sua origem na
razão.
Embora, em Kant, as normas morais
devam ser obedecidas como deveres, a noção kantiana de dever confunde-se
com a própria noção de liberdade, porque, em seu
pensamento, o indivíduo que obedece a uma norma moral atende à liberdade da
razão, isto é, àquilo que a razão, no uso de sua liberdade, determinou como
correto. Dessa forma, a sujeição à norma moral é o reconhecimento de sua
legalidade, conferida pelos próprios indivíduos racionais.
Kant reforça essa ideia ao dizer que
um ato só pode ser considerado moral quando praticado de forma autônoma,
consciente, e por dever. Com isso, acentua o reconhecimento do dever
como uma expressão da racionalidade humana, única fonte legítima da moralidade.
A clareza dessa ideia é assim
expressa pelo filósofo:
Age apenas segundo uma máxima [um
princípio] tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
(Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 59).
Essa exigência é denominada por Kant
de imperativo
categórico, ou seja, é uma determinação imperativa, que deve ser
observada sempre, em toda e qualquer decisão ou ato moral que venhamos a
praticar. Em outras palavras, o que o filósofo quer dizer é que nossa ação deve
ser tal que possa ser universalizada, ou seja, que possa ser realizada por
todos os outros indivíduos sem prejuízo para a humanidade. Se não puder ser
universalizada, não será moralmente correta e só acontecerá como exceção, nunca
como regra. Vejamos como Kant se expressa a esse respeito:
Se prestarmos atenção ao que se
passa em nós mesmos sempre que transgredimos qualquer dever, descobriremos que,
na realidade, não queremos que a nossa máxima se torne lei universal, porque
isso nos é impossível; o contrário dela é que deve universalmente continuar a
ser lei; nós tomamos apenas a liberdade de abrir nela uma exceção para nós.
(Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 63).
E por que realizamos atos contrários
ao dever e, portanto, contrários à razão? Kant dirá que é porque nossa vontade
é também afetada pelas inclinações, que são os desejos, as paixões, os medos, e
não apenas pela razão. Por isso afirma que devemos educar a vontade para
alcançar a boa vontade, que seria aquela guiada unicamente pela razão.
Em resumo, a ética kantiana é uma
ética formal ou formalista, pois postula o dever como norma universal, sem se
preocupar com a condição individual, em que cada um se encontra diante desse
dever. Em outras palavras, Kant nos dá a forma geral da ação moralmente correta
(o imperativo categórico), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não nos diz
o que devemos fazer em cada situação concreta.
Idade Contemporânea: ética do indivíduo concreto
A reflexão ética na Idade
Contemporânea (séculos XIX e XX) desdobrou-se em uma série de concepções
distintas acerca do que seja a moral e sua fundamentação. Seu ponto comum é a
recusa de uma fundamentação exterior,
transcendental para a moralidade,
centrando no indivíduo concreto a
origem dos valores e das normas morais.
Um dos primeiros passos na
formulação de uma ética do indivíduo concreto foi dado por Hegel, em sua
crítica ao formalismo de Kant.
Fundamentação
histórico-social
Como diversos autores
contemporâneos, o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) questionou o formalismo da ética kantiana. Para ele,
ao não levar em consideração a história e a relação do indivíduo com a
sociedade, a ética de Kant não apreende os conflitos reais existentes nas
decisões morais. Kant teria considerado a moral apenas como uma questão
pessoal, íntima e subjetiva, na qual o sujeito tem que se decidir entre suas
inclinações (desejos, medos etc.) e sua razão.
De acordo com Hegel, portanto, a
moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das sociedades,
e a vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma
sociedade em seu conjunto. A moral seria o resultado da relação entre o
indivíduo e o conjunto social. E em cada momento histórico se manifestaria
tanto nos códigos normativos como, implicitamente, na cultura e nas
instituições sociais. Desse modo, Hegel vinculou a ética à história e à
sociedade.
Fundamentação
ideológica
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883)
entendia a moral como uma produção social que atende a determinada demanda da
sociedade. E essa demanda deve contribuir para a regulação das relações
sociais.
Como as relações sociais se
transformam ao longo da história, transformam-se também os indivíduos e as
moralidades que regulam essas relações. Isso quer dizer que Marx compreende a
moral como uma forma de consciência própria a cada momento do desenvolvimento
da existência social.
Assim, os valores que fundamentam as
normas morais derivam da existência social e, portanto, não são absolutos, não
valem de forma universal para todos os indivíduos e para todos os tempos. A
liberdade, por exemplo, embora seja um valor universal, teve conteúdos
diferenciados ao longo da história.
Com base no conceito de liberdade,
Marx mostra como os valores morais, que são concebidos em meio a determinada
forma de existência social, também refletem essa existência. A
liberdade, de acordo com a Declaração dos Direitos do Homem, do final do século
XVIII, é o poder que o indivíduo tem de fazer tudo o que não prejudique os
direitos dos outros. Na análise do filósofo, esse sentido de liberdade, forjado
pela modernidade, reflete a existência de indivíduos isolados, competitivos, ou
seja, formados por uma sociabilidade que estimula a competitividade e a
concorrência como valores.
Assim, a moral seria, para Marx, uma
das formas assumidas pela ideologia dominante em
sociedade, pois difunde determinados valores que são necessários à manutenção
dessa sociedade. É a fundamentação ideológica da
moral.
Ética
discursiva
Outra busca de respostas e
fundamentação para uma ética contemporânea desenvolveu-se no campo da análise
da linguagem.
O filósofo alemão Jurgen Habermas
(1929-) é um dos maiores representantes dessa corrente, com sua ética
discursiva, ou seja, fundada no diálogo e no
consenso entre os sujeitos. O que se buscaria nesse diálogo é a razão que,
tendo sido reconhecida pelos participantes do diálogo, sirva como fundamentação
última para a ação moral.
Como vimos anteriormente (no
capítulo 16), o conceito de razão em Habermas não é o
mesmo do iluminismo. Trata-se de uma razão comunicativa, que não
existe pronta nem acabada, mas que se constrói a partir de uma argumentação que
leva a um entendimento entre os indivíduos. É uma razão interpessoal e não
subjetiva; é uma razão processual e não definitiva e
acabada.
Para que essa argumentação leve a um
entendimento real entre os indivíduos é necessário que o diálogo seja um
diálogo livre, sem constrangimentos de qualquer ordem, e que o convencimento se
dê a partir de argumentos válidos e coerentes.
A ética discursiva de Habermas é,
portanto, uma aposta na linguagem e na capacidade de entendimento entre as
pessoas na busca de uma ética democrática e não
autoritária, baseada em valores validados e consensualmente
aceitos.
A grande questão que permanece em
relação a essa proposta ética é quanto às condições de realização de um diálogo
livre e igualitário na sociedade de hoje, marca da pela
desigualdade e pelo constrangimento.
Análise e
entendimento
9.
Por que a ética do período clássico grego é considerada racionalista?
Justifique
com exemplos das concepções éticas dos filósofos desse período.
10.
Aristóteles explicava a virtude como o meio-termo entre dois vícios. Com base
nessa afirmação, explique a ética aristotélica.
11.
Por que a ética do período medieval é chamada de cristã? Quais são os aspectos
que a caracterizam como cristã e que a diferenciam da ética grega?
12. Para Santo Agostinho, a virtude é o bom uso da liberdade de escolha, do livre-arbítrio. Com base nessa
afirmação, explique a ética agostiniana.
13. Por que a ética da Idade Moderna pode ser considerada uma ética antropocêntrica? Vincule sua resposta
a uma interpretação da seguinte frase de um filósofo desse período, Voltaire,
em seu Tratado de Metafísica (cap.9): "Ser desprezado por aqueles com quem
se vive é coisa que ninguém pôde e jamais poderá suportar. Talvez seja esse o
maior freio que a natureza tenha posto nas injustiças dos homens".
14.
Para Kant, a virtude é a força das máximas do indivíduo na realização de seu
dever. Com base nessa afirmação, explique a ética kantiana. 1 S. Desde o início
do período contemporâneo, a reflexão ética radicalizou a recusa de uma
fundamentação transcendental para a moralidade. Seu ponto de partida passou a
ser não o ser humano ideal, mas o indivíduo concreto e social, com suas
necessidades, desejos, limitações e aberturas. Sintetize como se expressa essa
tendência nas concepções éticas dos seguintes filósofos:
a) Hegel; b) Marx; c) Habermas.
Fonte:
i a resposta?
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