Relações de poder no pensamento de Michel Foucault
É preciso, antes de qualquer coisa, conhecer a etimologia da palavra
poder, que vem do latim vulgar potere, substituído ao latim clássico posse, que vem a ser a contração de potis
esse, “ser capaz”; “autoridade”. Dessa forma, na prática,
a etimologia da palavra poder torna sempre uma palavra ou ação que exprime
força, persuasão, controle, regulação etc.
De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra poder, na esfera
social, seja pelo indivíduo ou instituição, se define como “a capacidade de
este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou por influência. O
poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas
para obter certo resultado (...)” (Blackburn, 1997:301).
Muito embora, de acordo com o autor, esse poder possa ser exercido de forma
consciente ou não, e/ou, frequentemente, exercido de forma deliberada.
No dicionário de política, encontramos a definição de poder mais
elástica. Ainda que exista a preocupação de colocá-lo em esferas distintas:
poder social, poder político, poder constituinte, poder moderador, poder
potencial, poder coordenador, entre outros. Ainda assim, o que se vê é a
palavra poder associada ao cerne da autoridade. Podem-se encontrar definições
do tipo: “É poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus
filhos ou a capacidade de um governo de dar ordens aos cidadãos” (Bobbio,
2000:933). E ainda, “o poder evoca a ideia de força, capacidade de governar e
de se fazer obedecer, império” (Souza, Garcia e Carvalho, 1998:417).
Por fim, em um dicionário comum da língua portuguesa o significado
de poder é apreciado em 18 sinônimos, com destaque para: “ter a faculdade ou o direito,
de: poder determinar algo”; “dispor de força ou autoridade”; “direito de
deliberar, agir ou mandar” (Ferreira, 2001:577). Nesse momento introdutório, é
importante destacar o pensamento de Foucault em relação ao poder. Ele estudou o
poder não para criar uma teoria de poder, mas para identificar os sujeitos
atuando sobre os outros sujeitos.
No que se refere ao poder, direito e verdade, sob a análise de
Foucault, existe um triângulo em que cada item mencionado (poder, direito e
verdade) se encontra nos seus vértices. Nesse triângulo, o filósofo vem
demonstrar o poder como direito, pelas formas que a sociedade se coloca e se
movimenta, ou seja, se há o rei, há também os súditos, se há leis que operam,
há também os que a determinam e os que devem obediência. O poder como verdade
vem se instituir, ora pelos discursos a que lhe é obrigada a produzir, ora
pelos movimentos dos quais se tornam vitimados pela própria organização que a acomete
e, por vezes, sem a devida consciência e reflexão,
Para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação
entre poder, direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância,
digamos isto: somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade
e que necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos,
somos condenados a confessar a verdade ou encontrá-la. (Foucault, 1999:29)
Nessa perspectiva, pode-se entender a partir do autor por poder uma ação
sobre ações. Foucault discorre que as relações de poder postas, seja pelas instituições,
escolas, prisões, quartéis, foram marcadas pela disciplina: “mas a disciplina
traz consigo uma maneira específica de punir, que é apenas um modelo reduzido
do tribunal” (Foucault, 2008:149). É pela disciplina que as relações de poder
se tornam mais facilmente observáveis, pois é por meio da disciplina que
estabelecem as relações: opressor-oprimido, mandante-mandatário, persuasivo-persuadido,
e tantas quantas forem as relações que exprimam comando e comandados. Diante do
triângulo demonstrado por Foucault, poder — direito — verdade, e das passagens
em que ele remete ao aparelho de Estado, a figura, por meio de recurso
analógico, compara-o ao triângulo do tripé da sociedade, Estado – mercado –
sociedade civil.
Correlação triângulo de Foucault e tripé da sociedade
Fonte: Dados primários (2009).
A partir dessa demonstração figurativa, seria possível fazer ligação
de seus vértices? Estado — poder; mercado — direito; sociedade civil — verdade.
Parece que não, a analogia proposta aqui quer identificar que as relações de poder,
direito e verdade, entre os setores mencionados, são tão complexas, tácitas,
intrínsecas e interdependentes que, por vezes, encontram-se discursos de
verdades e direitos desenhados pelo interesse individual, o que pode ser chamado
de relação de força, “(...) tais forças estão distribuídas difusamente por
todo tecido social” (Veiga-Neto, 2003:73).
Entretanto, para melhor entender a figura dos triângulos
apresentados, a analogia exposta entende que dentro do triângulo apresentado
por Foucault existem diversas ações que perfazem o poder, o direito e a
verdade, ações essas que são transportadas para aquelas que permeiam a tríplice
Estado-mercado-sociedade civil. Assim, pode-se concluir que a harmonia das relações
de poder direito, poder-verdade, estado, mercado e sociedade civil é essencial
para que as políticas e ações sejam fundamentadas nos princípios éticos.
Diante dos papéis possíveis que a sociedade
pode apresentar, Foucault (1999) nos apresenta duas tecnologias de poder,
divididas em duas séries:
·
série corpo —
organismo/disciplina/instituições, que são os mecanismos disciplinares;
·
série população — processos biológicos (que são
os mecanismos regulamentares)/ Estado.
Uma técnica que é centrada no corpo, produz efeitos
individualizantes, manipula o corpo como foco de forças que é preciso tornar
úteis e dóceis ao mesmo tempo. E, de outro lado, temos uma tecnologia que, por
sua vez, é centrada não no corpo, mas na vida; uma tecnologia que agrupa os
efeitos de massas próprios de uma população. (Foucault, 1999:297)
De acordo com Foucault a modernidade trouxe duas novidades
fortemente interligadas: poder disciplinar, no âmbito dos indivíduos; e
sociedade estatal, no âmbito do coletivo. O poder disciplinar surgiu em
substituição ao poder pastoral (no campo religioso), poder esse exercido
verticalmente por um pastor que depende do seu rebanho e vice-versa. No poder
pastoral, o pastor deve conhecer individualmente cada membro do seu rebanho, se
sacrificar por eles e salvá-los, como denominado por Veiga Neto (2003:81): “vertical,
sacrificial e salvacionista; individualizante e detalhista”.
No campo político, a sociedade estatal veio em substituição ao poder
de soberania, vem da lógica pastoral, embora não possa ser salvacionista, nem piedoso
e nem mesmo individualizante. Assim, o poder de soberania tem um déficit em
relação ao poder pastoral. Daí surge o poder disciplinar para preencher essa
lacuna, com efeitos individualizantes, vigilante, a fim de preencher os espaços
vazios do campo político. Como destacado por Veiga-Neto (2003: 83), em muitos
momentos ocorreu a “a invasão do poder pastoral no plano político do corpo
social”. Ou seja, o caráter individualizante do poder pastoral deveria ser
abarcado pela sociedade estatal e essa contradição pode ser bem identificada no
estado de bem-estar social.
A partir disso, podemos observar as transformações do Estado e suas formas
de produção e/ou regulação. O estado de bem-estar social surgiu da movimentação
histórica em que houve urgência de o Estado provir necessidades básicas para a
sociedade, visto que o liberalismo não deu conta de suprir tais necessidades. A
economia capitalista entra na década de 1970 em profunda crise histórica,
parecendo haver um consenso entre as correntes conservadoras e progressistas em
relação ao seu caráter: trata-se de uma crise de Estado. Essa passagem de
Estado tutelar, assistencial (Estado produtor) a Estado de livre iniciativa
(Estado regulador) coaduna com a questão levantada por Foucault (1979:281), em
relação à arte de governar: “como introduzir a economia — isto é, a maneira de
gerir corretamente os indivíduos, os bens, as riquezas no interior da família —
ao nível da gestão de um Estado”.
Governar um Estado significará, portanto, estabelecer a economia ao
nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às riquezas, aos
comportamentos individuais e coletivos, uma forma de vigilância, de controle
tão atenta quanto à do pai de família. (Foucault, 1979:281).
Adiante,
Foucault (1979:289) vem colocar a população não só como força do soberano, mas
como sujeito das necessidades e aspirações, consciente daquilo que se quer, e
inconsciente em relação ao que se quer que ela faça. “O interesse individual —
como consciência de cada indivíduo constituinte da população — e o interesse
geral — como interesse da população (...)”. Dessa forma,
governar e programar políticas públicas perpassa pelas necessidades e
aspirações da sociedade, identificadas não só pelo aspecto quantitativo de demanda,
mas, principalmente, pelo aspecto qualitativo para garantir a sua sustentabilidade.
As relações de poder em Michel
Foucault: reflexões teóricas*
Isabella Maria Nunes Ferreirinha**
Tânia
Regina Raitz***
* Artigo recebido em nov. 2009 e aceito em fev. 2010.
** Mestranda do
Programa Acadêmico de Mestrado em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí
(Univali). Administradora pública da rede municipal de ensino. Endereço: Rua
1451, 187, ap. 804 — Centro — CEP 88330-801, Balneário Camboriú, SC, Brasil.
E-mail: isabellaferreirinha@ ibest.com.br.
*** Doutora em
educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em sociologia
política. Professora do Programa Acadêmico de Mestrado em Educação da
Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Professora universitária de graduação
e pós-graduação, socióloga da Secretaria de Assistência Social, Habitação e
Trabalho. Endereço: Rua Acelon Pacheco da Costa, 231, bloco B, ap. 407 — CEP
88034-040, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: floraitz@yahoo.com.br.
Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CCwQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.br%2Fpdf%2Frap%2Fv44n2%2F08&ei=I2I_UJ_GCofg2QWw44DQDA&usg=AFQjCNFYP8BDFu1qc0NaYYBEyJNR82JSlQ&sig2=l82v9O7aaMq07kioxYAHoA
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